domingo, 30 de setembro de 2007

CRIA E DESTRUIÇÃO







E se faz nascer sob o olho de algo
Ou sobre algo que observa
O grande observador que realizou
Ou que nada fez além de contemplar
Apenas se fez em suma a energia
Que harmonicamente brotou
Raiou, estreou de um sonho realçou
O que dizer do princípio que somos...?

E quanta disposição nessa explosão
Que acumulada ou sem nada
Iluminou o vazio e destruiu
O vão em vão de um espaço sem razão
Abraça a solidão que estava sozinha
Cheio de energia infinita, mal se sabe
Mas não importa, há algo no devir...

Não há estradas, mas há caminhos
Há pra onde ir e pra seguir um aonde
Donde algo espera e não se sabe
Mas para quê saber onde está você?
Não se precisam de mares e rios
Para chover e desaguar no colo
É hora de se fazer o pedido cadente
Antes do poente...

Pedido realizado sem pressa
Pois a delicadeza se faz beleza
E permeio a perfeição da natureza
Tua essência, sublime e constante
Eterna, existencial que clama
Chama à vida quem está de partida
Sem ao menos ter chegado
Antes do pôr de alguma coisa...

Poente que se opõe à face
O laço enraizado do que se criou
Com o que nem se sabe se criou
Tempo e espaço dentro de concepções
DESPERTAR, não dos deuses ou de deus
CREPÚSCULO é O SEU DESPERTAR...
É assim com algo que é criado
E é assim com algo que simplesmente
ACORDA, enxerga, abre as cortinas de ferro
Pra aprender a pensar e beijar seu mérito...

E se amanheceu tudo e todos
Os passos viraram balé
As vozes viraram canto
Os gestos maestros, notas
E se as cortinas se abriram
Está na hora de subir e louvar
Louvar o LOUVA-EUS
Saltar o dia sem pensar na cria
Entardecer as idéias, sem óculos
Pôr-se à vontade da pestana
Só por instantes, não durma ainda...

Relaxar... sentir o regaço do vento
O frio na orelha quando está sozinho
Fechar os olhos e só ouvir a tua canção
Que mexe o horizonte, lá que você está
O final do calor da existência do hoje
Atrás das montanhas há algo pra ver
O crepúsculo preste a adormecer
Mas ainda não, fique, fique mais um pouco...

Eis quem vem prestigiar...
Está escuro? Pode abrir suas cortinas
No cume fica mais belo... esplêndido!
Pensou que estava sozinho? Surpreso?
Deixe sua luz adentrar em sua alma
Grite, uive, cante, vibre cordas ecoantes
Ela, nessa noite é sua, somente você e a lua
Até a brisa é mais agradável...

Não tenha medo, observe abaixo
Esqueça seus medos, eles não sabem de você
Mergulhe na vastidão-imensidão
Tente chegar até ela, você consegue
Na luz que emana, jamais
Jamais você irá se afogar no esquecimento
Beba desse momento enquanto há tempo
Você já viu ou presenciou de tudo?

Encantado, arriscaria o universo?
Tome o ciclo de novo, venha de volta
Pra onde tudo se iniciou ou não se sabe
Não tenha mais cuidado, que dirá medo
Você já esteve aqui ou ali
Do alto você conseguirá ver melhor
Se for essa intenção, creio que não
Aproxime-se, não fique triste
Seu espírito está mais acordado que antes
Agora, ande por este tapete que eu deixei
Só pra você que é especial, vai... pode pisar
Pouse, repouse, paire, pare...


Mas antes de tudo, relembre tudo
Todas as sensações de estar aqui
E de ter feito parte de mim
O que achou? Louco, não?
Que seja, mas você gostou!
Acreditou que estar comigo é gratificante
Mas é e nunca foi, conjugue o que quiser
Mas seus olhos e seu coração dizem:
Eu estou vivo e eu sou vivo
E a leveza de partir depois de viver
É flutuar na experiência de conhecer
O que eu tenho a lhe oferecer...

E essa pessoa eu experimentei
Eu ouvi quase me esquecendo
Mas tive tempo de absorver
Uma pergunta apenas: você gosta de mim?
Tive que responder em meio às águas dos mares
Sob a lua depois do crepúsculo
Depois de ter nascido e me arrependido
Nasci de novo sobre o tapete luminoso
De minhas vertigens ocultas na escuridão
E minha resposta coube ao grito de desabafo
De que vale a pena todos os dias
Olhar para o alto, para o chão, para baixo
E, sobretudo, submerso cortejo
Pai, seu reflexo reflete eu mesmo.

AMOR ETERNO


Posso descrever muitas coisas
Tal como elas são, basta um olhar
Ficaria tão perfeito à realidade
Mas não conseguiria relatar
Com as minhas humildes palavras
Cantar-lhe ou lhe contar
Nem seu ouvido mais aguçado entenderia
A delicadeza e a profundidade da magia
Do que estou sentindo
Neste nobre vulcão adormecido
Que aqueceu meu frio agradável
Transbordando meu desejo mutável
Não, é oculto demais e ditoso
Entregue-se em meu colo para sonhar
Com esse despertar em meu leito silencioso
Longe eu e você querermos decifrar
Chegue mais perto e toque-me
Abrace-me, beije-me, não me deixe dormir
Sonhar só quando seu corpo
Não estiver junto ao meu
E meus olhos nos seus
Sua boca em meu rosto
Antes de um beijo deleitoso
Poder-te recitar o que não posso falar
Pois, meu desejo é contemplar
É sentir suas mãos em minha essencia
De um homem que despertou
Que está pronto para se apaixonar
Pela tua mais bela carência.

BECO


Nunca procurei o sempre em permutas
Debaixo de cobertas e travesseiros
O estupor de sempre encontrar o nunca
Diante do sombrio espelho que vejo

Traidora condenação ao vazio
De uma miragem, de um reflexo
Anexo oscilante e desconexo
Que me deixava com frio

Eu tentei achar e por ventura
Nenhum retrato ou gravura
Disse prosa alguma
Caso que prova ou açoita

Mas numa noite doida
Minha alma absorta
Entendeu a porra toda
Que decepava minha fulgura.

À ESPREITA DA LUZ SORRATEIRA


Não adianta você olhar para o céu
Esperando uma luz de auto-ajuda
Livros só vão te dar repertório
Para você ostentar sabedoria
Sua intelectualidade não serve
Jogue-a no lixo reciclável
Junto com os fetiches de seu estilo
Você não faz parte do coletivo
Todo ser, em conceitos, é individual
Esgoele todos os seus ídolos
Antes do veneno comungado da doutrina
De onde você vê o mundo?
De seu quarto ou de sua janela?
Tape os ouvidos e não ouça merdas
Vende seus olhos e não capte nada
Sinta agora quem você é
Longe do berço guardião de seus pais
Cheire agora a podridão que se esvai
Dê risadas altas, o odor era seu
Prove também um segundo de liberdade
Tente defini-la, descreva em voz alta
Não há mais berço e as tetas estão secas
Vá, sinta prazeres asilados e os vulgares
Não, não existe a vergonha
Liberte-se dos estereótipos
Dance, cante, grite, chore, voe, durma
Pronuncie pausadamente o seu pensar
Olhando nos olhos do nada
Respire fundo e se contorça todo
Aqui não é o inferno
Não se desespere você é tudo
És perfeito e eterno e não negue
Seja contraditório como essas palavras
É pior ter apoio moral que dirá social
E maternal no velório
Pois a moldura já vem esculpida
Que tal você destruir este monumento
E arquitetar o seu templo?
Pense nisso... e apague isso...
Que você, ser perfeito e sem ídolos
Acabara de ler e perder tempo...

GRANDE EU


Perguntas como? Por estrelas sob o chão que pisas.
Reconhece-me, não? Ora, isso faz cobrir a falange de meu rosto.
Com tripas de cortinas mal passadas,
eu sou DEUS teu, olhe fundo nos olhos meus,
afunda tua menina atrás dos cílios, estica o braço.
Espere, olhe pra trás, tem alguém te observando.
Será o grande observador?
Calma não entre em pânico, para eu olhe apenas,
quando eu disser... espere um pouco... está sentindo?
É você, resposta essa é sua, quem é?
Quem sou eu é você, está observando?
Desligue-se, morra por hoje, antes do enterro da noite
e nascimento de proveta do sol.
Ele é moralista de mais e de menos.
Fuja daqui, eu enquanto beijá-la soturno,
Não você, EU! Não verás sombra nenhuma,
Uma a uma, quem são esses leprosos?
Grande EU, grande EU, tu dissestes que amava eu.
Tá, pode ir, vai e mergulha aqui peito breu
E sabes o que te espera? Não?


Hum! Esquece os ponteiros.

sábado, 29 de setembro de 2007

CULTURA MASTURBADA



Exu cavera vai te pegar
Exu cavera vai te fudê
Saci-pererê vai pisar na tua cabeça
Saci-pererê vai pisar na tua cabeça
Boi-bumbá vai te dar um coice
Boi-bumbá vai te dar um coice
Mula-sem-cabeça não pensa
Não pensa porque não tem cabeça
Bicho-papão pega criancinha
Coloca no saco e joga no rio
Dorme neném que a Cuca vem pegar
Papai foi beber e mamãe foi dar
Preto-véio quer fumar cachimbo do Saci
Com gorrinho do Noel ele fica bonitinho
Preto-véio quer fumar e o Santo quer beber
O menino não pensa só assiste tevilusão
Com medo e sem futuro sofrendo na prisão
Coelhinho da Páscoa que trazes pra mim
Um santo, uma oferenda e um saco pra dormir.




OS CUS DO MUNDO


EU SOU O CU DO MUNDO

A POESIA SEM RIMA

UM LIVRO SEM CAPA

EU SOU PERFEITO

DONO DA VERDADE ABSOLUTA

EU SOU A ORGIA

O CÂNCER

O MATADOR DO SEXO SELVAGEM

O LOBO MAL QUE COME TODAS AS BUCETINHAS

O PAU QUE DESTRÓI A CULTURA MASTURBADA

O FILHO DO CABRUNCO DOIDO

A ÚLTIMA GOTA DA CUECA

A DEDADA NO SEU CÚ

ENFIM, EU SOUO LIXO IDEOLÓGICO

QUE DEVORA SEU CÉREBRO.

CACHORRO LOUCO



DOM PEDRO O CACHORRO LOUCO
E os dias se derramam da noite
Como eu te venero como um ídolo
Ídolo da geração pós-parto da contra-cultura
Anarco-punk social do caos terror
Que assola as menininhas barrigudas
Que temem parir seus filhos
Diante de um Deus bondoso e promíscuo
Dono da mentira absoluta
Você é a expressão máxima do prazer
Orgasmático de uma foda bem dada
Numa noite sombria e uivante
Ungida com a dor coagulada no tempo
De um desespero da vida
Que se esvai em fogo inquisitório
Preso pelo cordão umbilical adjunto ao cemitério
Dos cachorros loucos que aleijam sentimentos
E amputam desejos e decapitam sonhos
Medíocres e ilusórios e alucinados
No vale escuro do medo que você
Ícone do sarcasmo, tanto sorri e adora.

DANÇA DOS VIVOS


Olhe e veja a dança dos mortos
O inverno chegou pra eles
O pássaro desmancha seu ninho
A borboleta seu casulo
As pedras falantes na lama
A ciência quer encontrar almas
Em outra natureza, aqui não há
O beija-flor beija melhor
Mas estamos sem nécta
Overdose do embriagado
Que com o copo vazio
Quebrou-se sozinho
Ele cheio quebra seu vazio
A mão de alguém estende você do fundo
No fundo não existe ninguém
A folha em branco preenchida faz sentido
As flores dançam sem harmonia
Flutua seu passado
Na escuridão está seu futuro
A lua mudou de lugar e mudou de cor
Eu mudei de atitude
Nem sei o que é isso agora
Agora a coruja assusta
Os seus olhos vêem
Os olhos cegos e inúteis
Que crêem no amanhã
Que ofusca a imaginação
Palavras distorcidas
Que fingem seu estado
Solidão comparada à distância
Desfile de idiotices à verdades
Árvores bêbadas e drogadas
Sussurra o grito solitário
Do andar sem rumo
Da vida sem destino
Agora sei quem tomou o nécta
Eu admiro as crianças loucas.

BOCA MALDITA


Decidi costurar minha boca imunda
Cessar o maldito mito que eu acredito
Pois sim, virou motivo de riso
Da crença qual eu me permito
Portanto, de meu sorriso não serás digno
Disse tudo e exordiei sobre tudo
Meus lábios trêmulos, agora mudos
E por este céu, minha língua vagará
No mais absurdo silêncio solitário
Se quiseres ficar ao meu lado
Eloquás ou gaguejante, fique à eternidade
O nó que dei é por minha vontade
Nem seu beijo canibal e malicioso
Esperando a permuta do amor puto
Que nunca prometi ou soprei palavras
A não ser engasgadas pela moda desvairada
Farão-me cuspir ponto por ponto
De meu rugido entalado, mais bem guardado
Contente-se com meus olhos negros
Ou minhas pupilas dilatadas
Meus ouvidos apurados e o meu corpo sepultado
No passado de tuas lembranças
Velando seu futuro de braços dados
Enquanto minha mão estiver lúcida
Antes que ela empalideça e fique fria
Nada de afago ou cortesia, apenas poesia cria poesia
Mesmo duas bocas concordarem que não pareça
Divirtam-se sem a frustração
De não ter conseguido cantar sozinho
Porque minha voz está suturada.

BEIJOS DO ESPELHO


Novas, trago boas.
Tragar tu e baforar vaidosa fumaça
De teu coração, bate sem parar
Como um fantasma.
Vejo atrás de ti...
É, nessa foto, vê no espelho?
Não? Futuro teu retorna reciclável
Dentro do olho, observe as pálpebras,
Observe, sua cegueira é tão promíscua assim?
Assombra? A sombra de teu viril pêlo enrijece.
Cubra teu rosto. Não, não se curve
Levanta-te menino, tu és homem ou não?
Pouco tão, olhos teus, tu já cega está,
Assino como eu, assassina da fealdade,
Bela tu és, quero ver dormindo sonhando
Sangrando mijo, urina em nós ódio teu?
Por mode? Que fizemos a ti?
Pára de nos possuir.
Vem pra cá e acolá, estica braço e...
Ecoa a voz, o deixa de lado,
Vem me buscar, estou atrás de você.
Espelho manda beijos.
O teto de neve que come cenoura dormir foi
.

BURRO DESCARGA


Marginal precoce que se tosa na calçada
Deitada em seu colo, útero de sua mera transfiguração
Verdugo impuro do adubo sangrento
Putrefazendo a flora intestinal que soa frio
Desesperada a tão esperada viagem anal
Noites intrépidas e trepadeiras da moral
Que defecou perfumes nas flores místicas
Proseando intrigas, tripas à venda, pechincha
Do corpo oco, doido e sem coito
Solto e absorto, vivo e estático, paraplégico
Plágio das bengalas beijoqueiras do meio fio
Fio que nem tece e nem padece conduzir a curva
Turva e escura, da má madeira que murmura
E esmurra o ar do vaso são e unitário que se esvai
Ao contrário, descarrega o ente, cria dura da gênese, foi
Que fertiliza com sangue gangrenado a amputação do futuro
Em canais umbilicais e em leitos viciados e efêmeros
Suturado pelo eco oco ditoso, mas figura-se enganoso
Penoso e manhoso, dolorosa flor que germina da força
Pútrida, dos dedos maestros que dilatam as dores
Em prol, longas feri minha essência no chá manha
E chorei leite da má madeira seringa no coito das ripas
Bem vinda, muda puta plantada no terreno vadio
Vendida às raízes sepultadas na luz do cio
Gravetos guardados em gavetas vendadas e vetadas
Ao lado das atas duras e gessadas, cá adiados
Mortos deixados no mato, seco à esmero viril
Mato e disseco a mutação das frases pleiteadas no berço
Encetando o coveiro enfermeiro que minha alma,
Marginal erudita ou ostensiva vaidosa, deitada ou plantada
Calçada ou matada, desmata sanguinária os estéreis óticos
Para ti notes a qual cela tu irás cavalgar de vagar ou ca
rregar
.

LAR DOCE LAR

Vertigens no céu de sangue
Sensações da morte previsões
Eu vi a face da morte
Do desespero em agonia
Há sombras no tempo da dor
Coagulando o sofrimento
Destino medíocre
Numa tempestade
De corações chorando
No vale escuro do medo
Amputando desejos
Aleijando sentimentos de liberdade
Tubarões comem peixes
Deus está longe
A fé que seca
Como uma flor murcha
A decapitação de um sonho
A vida se esvai em fogo na mente
Os meninos anjos
Presos no cordão umbilical
Pedindo para não nascerem
O cemitério parece um jardim
É pra onde se vai tanto sacrifício
Os cachorros loucos
Perturbam teu sono
Convulsões no mausoléu
O mundo poderia ser um doce hospício
Perguntando o sentido
De quem é a culpa
E pra onde vai tudo isso.

ESQUISOFRENIA


Esquisita garota és arrogante
Personagens dos suspeitos inseguros?
Melhor que você, apesar de tudo.
Pervertida, é legal, mas é biscate.
Vamos brincar. Você é pura?
Mas noite passada foi ótima. Luxúria?
Eu também peco e você é todinha minha,
Como um capim, e me apaixono todo o dia.
Desejo, fetiche? Masturbe-me criativamente
Lamba meu sexo oral, dá teu nu pra mim,
Sua irônica e debochada. Engana-me que eu gosto
Você não nasceu pra ser discreta, não me venha com essa
Sexo com amor – foda-me agora e me ame depois
Gorfe se quiser, mas nada de abortos.
Fique nervosa, é a dança dos dias negros, garota enxaqueca,
Por causa da ansiedade em ter ódio gratuito.
Sinceridade? Você não sabe disfarçar
Mentira chamada amor, glamour decadente
Pois é, em outra encarnação você nasceu caroço
Nessa vida tu és uma bela e imponente vegetal
Portanto, apesar de deus ter dito a você
Descer e se foder aqui, você é minha vida.
Olhe-se no espelho, tu ainda está sentada sozinha?
Não estou falando mal de ti
Estou te divulgando para o mundo
Deixar que eu seguro seu fruto.

MURALHAS


Chora, ajoelha e reza para o perdão no muro das lamentações/ Muro social e muro racial/ Que reduz o ser a uma ameba irracional/ Muros... na mente... muros à sua frente/ O que fazer diante de tantas grades?/Seja você recém-nascido ou de certa idade/ Famoso muro que faz história/ Imponente símbolo de glória/ Mas que retórica hipócrita/ Vestígios na memória/ Cadáveres protegidos pelo muro/ Você protegido por um deles no teto/ O muro que te agarra no chão e no escuro/ A muralha ostensiva do materno/ Liberdade sem chuva/ Longe da cura/ O que fazer? Pra onde correr?/Destruir corrói as mãos e fadiga o cérebro/ Temos medo da insônia do horizonte/ Virar as costas pra sempre eterno/ Na impossibilidade do tempo ontem/ Tornando-se trepadeiras do esquecimento/ Nas pedras quentes que ficam frias/ Que te cobrem de cimento/ Cessando sua eutimia de vida/ E o medo do muro/ Eu corro, há um muro/ Não vejo nada, há um muro /Da impotência, há um muro/ Mente vazia, há um muro/ Descaso, há muros que precisam ser quebrados.

AMBÍGUO




Deitar no silêncio da alma
Pra não ouvir a morte dizer
Seu ofegante pedido de vela
E de cortejo pela minha calma
Tenho medo de altura e do culto
Eu avisto vários caminhos
Porém, poucas escolhas no mundo
De olhos fechados e sem dar tino
Tento seguir meu instinto
Na ternura de minha delicadeza
Convivo com minhas incertezas
De bom grado, distante e calado
Deito-me do teu lado solitário
Porque o outro está ocupado
Pelo sentimento de ter me abandonado
Joguei-me ao relento dos desatentos
Que continuam em silêncio
Debaixo da coberta dos pensamentos
Meu frio é meu medo do desespero
Despercebido, a esmo, eu mesmo
De um amanhã que nem nasceu
Deito-me de luz acesa sem saber rezar
Acreditando que por uma noite
Não dormirei sozinho a me lamentar.

DILÚVIO


Lágrimas de nossos tempos inexistentes e contemporâneos que prometeu, prometeu, prometeu... Sol pra nossas almas e saliva dos céus para nossos indesejáveis contratempos e contrapontos, mas é tempo de antepor o ponto contra o desejo de mera coincidência... promessa... então, chove chuva sem chover chuva sem parar , abra os braços e engula a saliva dos olhos que está no ar, líquido inflamável que outrora era sol. Corre, corre e vai soar, as fagulhas físicas da boca do ego-trovão que ateia fogo na teia de seu espírito nobre coração vulcão de tempos adormecidos... segredos... segredos... no gelo... no gelo... que esfria... derrete... derrama... lateja... goteja... remete ao derrame latente do elo da natureza que vem e que volta, mas quando volta, desaba e desabafa, goteja, no mormaço envolto a gritos estrepitosos, lateja, a terra, semeiam a permuta puta de todos os incestos, por tantos, entre tantos e nós em tantos, abriremos os braços, libertando todos os nossos pecados.

COXAS

Poetizar atrás de suas coxas
Dialogar segurando tuas polpas
Lisas e macias
Com minha virilha viril
Deslizar suaves palavras
Em tua orelha frágil
Ao mesmo tempo em que meu poder
Poder de homem, esquentar seu corpo
Que no coito faz suar seu rosto
E transborda silêncio nos lábios safados
Macios acariciadores do cio
Uma língua apenas, alvoroço no corpo
Um sussurro de loucura
Música e delírio vindo do íntimo
Que traz a fúria pornográfica
Com um leve toque de amor
Que se atrela na lei da natureza
Dos movimentos, dos movimentos
Abundante prazer constante e sem fim
Que pedirás não só várias vezes
Bem como vários de mim.

PUTO DO ORGASMO

Gostaria de sentir sua espada de deus grego
No monte Olimpo de meu mar que se ergueu
Ver seus crepúsculos suados em meus lábios
Boca a boca, deslumbrante e provocante
Sentir seu sopro alísio e ofegante
E sua língua na varanda de minha morada
Beberia de seu vinho mortal
Parturiente de afagos sedutores
Que me transforma em doidivanas
Sedento de tesão e louco por amor
A dois, em um, abraçados no coito animal
Trepados na vinha da safadeza
Da pornografia sem limite e imoral
Subiria em cima de seu colo enrijecido
E cavalgaria emoções de prazer
Até meu ser explodir em orgasmo
Sentado em sua glande verdade
Suculento plasma que esperma plenitude
Todo o meu corpo nu e trêmulo
Poderei lembrar-me de seu corpus Christi
No ritual hemorrágico da juventude.

MASTURBAÇÃO


Quem sabe da cura orgasmática
Que sai de tuas entranhas?
Cá sei eu, de tuas horas pornográficas
À frente e de costas
Para teu reflexo no chuveiro.
Perpassa a rigidez da língua tagarela
Em seus lábios safados
Ou a menos querendo ser,
Engolindo semente de tua companheira.
Estou aflito para devorar
Teu desejo mais lésbico e sarcástico
Ao banquete de minhas poesias
Cheias de mentiras ou mesmo prosa ilusória
De te querer por uma noite sob custódia
Deitados e abertos corpos
E de graça debaixo das cobertas.
Segure meu rosto, olho no olho
Empresto-te meu dedo terra
Semeada pelo gozo de teu ego enrijecido
Ao final do ato vencido que tu,
Fogosa dama imoral
Proporcionou-me um orgasmo nu.

MEU AMIGO ALZAIMER

Sinto-me um tanto diferente
Mas nem por diferença
Eu entendo compreender
Sinto-me dois tanto ausentes
E nem sequer por presença
Eu compreendo entender

Vejo em tantas belezas
Tantas flores e covas
E não lembro os seus valores
Vejo em tantos corpos deitados
Sobre rosas mortas
E me esqueci dos seus pudores

Ouço tantos sussurros
Em grandes multidões
Que mal decifro o contexto
Ouço tantos murmúrios
Em chorosos corações
Mas não encontro algum pretexto

Toco em diferentes ambientes
E não compreendo a estação
De que tempo eu estou
Toco fundo em minha mente
Da imensa estagnação
Mas o sonho me escapou

Cheiro o desagradável
Sem saber o porquê
Em pessoas que não conheço
Odor que vem inevitável
E que talvez elucidasse
O que exala de mim mesmo

Adivinhando meu destino
Caminho pelo passado
De lembranças importantes
E no silêncio da solidão
Apenas encontro velhos retratos
Que nada dizem em seus semblantes

Prometo não mais prometer
Tentarei não mais pensar
Pois penso que esqueço
Prometo não me esquecer
Penso em não mais tentar
Talvez assim adormeço.

PSY


Não há nada por perto
Nada que eu queira ver
Meus olhos fechados observam
O vaga-lume de meu globo lobo
Que se cruzam disformes ao toque
Ninguém pode se aproximar
Meu corpo não permite corrente
Espaço... espaço... vago... ilimitado
O que eu menos desejo é tempo
Sem canto ou artista de ilusionismo
Preciso bailar com meus ouvidos
Minhas vibrações livres e intensas
Retocam meu batom jovial
Eu saio de dentro de mim
E de mim sai eu extra sensorial
Luz de mercúrio à minha volta
Depois de outra volta, paranóia
Prisma de cores em cristais
Vão eletros encefalogrando meus sentidos
Cardio vasculhando minha pulsação
Marca passando meu rito rítmico
O ritual da ilusão não faz chover água
Mas emoção e inspiração gotejam
E eu sou uma borboleta tresloucada
Na ilustração do fogo epilético
Massageando minha libido
Porque ficar inibido ao nécta
Faz de teu espírito um fantasma.

FAZENDO ARTE


Vibre a mente e pinte o espírito
De uma cor mais reluzente
Salive poesia nas flores
Dance com o tempo
Fingindo que ele existe
Esculpa seu sexo
Encene para uma ave
Que tu és um pássaro apaixonado
Depois, olhe-se no espelho
Sorria, assista e presencie
Você, decerto, é um doidivanas

A música soa e ecoa nos ouvidos
Despertando para a noite do bale
Baile do fogo de todas as tribos
Nada mais vejo na escuridão
Somente sinto uma vibração
Interpretando um índio
Sou um artista alternativo
Palhaço para rostos fingidos
Mas meu espírito está esculpido
Nos sentimentos que pinto
Em cada movimento, gesto delicado
Escrevo e transmito a poesia
Das flores, do ódio, da alegria
Passo, sem passo, compasso, repasso
De olhos fechados adentro em mim
Deliro e exalo meu mundo sem fim.

SARAVÁ MEU PAI


Hoje tive que cortar minhas pernas
Porque o remédio me esquentou o corpo
O galho que sai de meu pescoço
É a flor que está em meu rádio
Há quinze anos eu não recebo nada
Há dez dias eu morri
E se eu ficar aqui ainda por dias
Morrerei outra vez de novo
Tenho que cortar minha bunda
Minhas costas não andam mais
Meu filho é meu amigo faz tempo
Desde quando eu era criança
E eu não posso criar
O filho que está dentro de mim
Comi demais e estou grávido
Não sei quem é o pai
Se me deixarem sair
Eu volto em três minutos
Só para visitar meu filho
Estou com quase oitenta
E meu pai morreu ontem
Até meus olhos estão ruins das vistas
Não tomo banho todo dia
Pois a água racha minha cabeça em duas
E eles podem me roubar o que tenho
Nem documento eu tenho mais
Aqui eu só posso estar triste
Você é meu filho? Você mora aqui?

LOUCO ATEU


Louco, louco sem promessas eu sou
Minha fonte de vida, ah meu deus!
E meus dias contados em ser ateu
Teu crepúsculo delirante
De sonhos navegantes
No ceticismo de um mundo
Encontro o desencontro junto
E justo imparcialmente me sufoca
Na toca do pensar, a calúnia do testemunho
Pra não sentir acuado em teu coador
Filtro de insanos retiros
A que submeto longínquo
Infringindo toda lei parcial
De minhas crenças subumanas
Nesse subsolo de dúvidas
Planto minhas verdades agnósticas
Pra terra nunca esquecer
Minha existência sob custódia
Da liberdade imposta
Imposto que pago e apago de meu ser
Num desmaio provocado
Na impaciência da busca do meu ver
Navegando sonhos e remando ilusões
Mergulho erigindo certas loucuras
Calejando as linhas passadas e futuras.

BIGATO

Se bebo? Degusto elixir dos deuses
Mortos todos estamos
Achas você em lugar algum
Saber difícil de um ventre que te contam
Quantos anus permeiam seu eu
Até antes do eu placenta?
É... sim, você se foi quando bolsa estourou
Mergulhado em sangue ateu
Livrou-te da fogueira, agora cospe álcool?
Ingrata tua senhora dor que nem sentiste
Corra, fuja, larga isso criatura
E vem criar nosso ninho
Antes que alguém saiba que estamos mortos
Podem eles jogar terra
Não sentem o bigato corroer-te entre os dentes?
Entes queridos mais que nossas poses
Vômitos para o alto, por diversão
Só para engolir-vos de novo
Mas venha senhora dor dos invejosos
Venha me atrair para teu sono eterno dos vivos
Que eu mostrarei a vigília de meus corações defuntos
Vá logo e deixe seu bigato pra depois
Conheço outros pratos suculentos e nojentos.

CAMA PUTRIDA


Eis que a solidão fantasmagórica da multidão
Ressuscita a esterilidade das fronteiras museificadas
Dissimula estigmas dogmáticos, moribundos de intoxicação
E vislumbra a vingança viva da morte exumada.


Ventilam-se alísios contra o espelho da loucura
E por que não dar palavra aos loucos da tumba do silêncio?
Sob a custódia suicida criogenizada pela cultura
A máquina evangelizada encarcera o verme em tratamento.


O funeral tradicional embalsamado pelo mito invisível
Disfarça o picadeiro de concentração, magnético
E da luz espectral dos sentidos que não é permitido
Escandaliza e exila o gênio maligno poético.


A armadilha do cenário primitivo, prisioneiro do trágico
Enfeitiça o monstro da vertigem obesa
Múmia imutável e cheia de cravo, tinote ralo e sacro
Desvirgina a ternura de vidro, jazigo da pureza.


E o que dizer do espiral fictício encravado no peito?
A tinta do prazer negro é sangue fresco
Na aldeia dos manequins fossilizados e selvagens
Os perfis intérpretes da vida, de novo tribos reféns.


Fantasmas na multidão, estéreis línguas e mãos
No campo, a luz exilada escandaliza a permissão
Mortos sob a custódia do evangelho, tumba do verme louco

Há de ser a múmia eterna ou o trovador embalsamado e morto.

"DIONÍSIO" (conto)

Era dia de culto a Deus e ao seu filho Jesus de um dos lados do paraíso. Maria acordara cedo numa manhã ensolarada de sábado, oito horas. A jovem desperta e corre para o banheiro realizar suas necessidades, está atrasada. Troca rápido de roupas, arruma-se diante do espelho dos pés a cabeça, toma seu café da manhã, pão, manteiga e suco, com voraz rapidez – percebe que só havia um pão – retira um livro da cabeceira de sua cama e parte quase correndo para o lugar religioso, sem ao menos cumprimentar alguns vizinhos. A casa estava cheia de gente, não havia mais assentos, algumas pessoas postaram-se de pé ao redor dos bancos; duas fileiras grandes com seis lugares cada, uma do lado direito e outra do lado esquerdo, mediavam um corredor que findava numa espécie de altar, decorado com uma grande mesa cheia de objetos, e logo atrás, no alto da parede, uma cruz com a imagem de um homem de braços abertos pregado junto a ela. Um senhor de idade perambulava de um lado ao outro dando seu sermão enquanto as pessoas continuavam em absoluto silêncio. Maria retira um folheto de uma prateleira na entrada, passa pelo canto afim de não ser percebida pelos outros e senta na sua cadeira reservada ao lado direito do altar.
– Renegai os desejos e tentações da carne, irmãos e irmãs, pois estes são os maiores pecados do mundo. Arrependei deles antes que seja tarde (...). Nem só de pão viverá o homem (...). Jesus morreu na cruz para nos salvar de todos os pecados do mundo. Ele, filho de nosso Deus-Pai que o concebeu sem o pecado original através do Espírito Santo a Maria, Mãe de Deus (...).
E por mais de meia hora o senhor alternou seu discurso decorado e lido na frente dos fiéis quietos, atentos e amarelos. Ao que se sabia, aquele antro, cujo não era o único pelas redondezas, venerava um ser chamado Jesus, e segundo os devotos e todo material que se encontrava a disposição deles, esta pessoa renegou sua vida, bem como os prazeres da carne em prol da humanidade. Nasceu de uma forma muita estranha do ventre de uma suposta mãe Maria, não houve ato e ritual sexual que proporcionasse sua vinda ao mundo. Jesus foi concebido pelo Espírito Santo enviado por Deus através de um anjo Gabriel, com a missão de trazer a boa nova ao mundo e aos homens, etc.
Um dos momentos interessantes foi quando todos principiaram a dar as mãos em forma e sinal de cumprimento, conforme as ordens do Padre – assim era chamado. Chegava a hora de formar uma fila pelo corredor até o altar para receber alguma coisa das mãos do condutor dito religioso mor daquele lugar. Um a um, os fiéis recebiam uma hóstia mergulhada no vinho e, como diziam por ali, “o corpo e o sangue de Cristo”. Depois do ritual, ajoelhavam-se em seus lugares e mantinham silêncio. Muitos ficaram sentados apenas cantando, não se sabe porquê. Maria foi uma das últimas. Logo depois o Padre disse mais uma dúzia de palavras, seguidas de um coro de vozes em glorificação, “amém” diziam todos, um canto em veneração ao Pai, quiçá daqueles órfãos, outro canto a Maria, Hosana, entre outros nomes, até chegar à ocasião da despedida. Todo este contexto rigoroso seguia o roteiro daquelas folhas que os devotos liam em suas mãos, das quais Maria retirara no início. Tocaram a fronte, o centro do peito, ambos os ombros com os dedos, cada um do seu jeito, e beijaram a mesma mão. Enfim, – disse o Padre – idem em paz e que o Senhor vos acompanhe – graças a Deus – disseram os fiéis.
Fim do ritual. Alvoroço nas cadeiras, alguns apressados e faladores, outros sentados em silêncio. Maria foi ter com o velho que conduziu a sessão. Pediu benção e disse:
– Senhor, eu continuo com aquele probleminha lá em casa, não sei mais o que fazer com meu irmão. Não dormiu em casa de novo, a cada final de semana sua conduta obscena, depravada e maluca fica pior. Não agüento mais, o que eu faço?
– Filha, seu irmão é um pecador sem salvação. Você já fez de tudo para tirá-lo do mau caminho. Deixe-o nas mãos de Deus que Ele há de castigá-lo. Infelizmente, algumas pessoas só aprendem na angústia da perdição, um dia ele se arrependerá de todos os seus pecados, não se preocupe. Faça a sua parte, ore por ele, por você e pelo seu futuro esposo que do resto Nosso Grande Pai se encarrega. Vá para casa descansar, atente-se para seu futuro, seu noivo, logo irão receber a benção do matrimônio. Vai em paz e com Deus, minha filha! Que o Senhor a acompanhe!
Maria ouviu atentamente àquelas palavras piedosas, agradeceu e pronunciou um amém. Despediu-se beijando a mão do conselheiro e partiu para casa com uma expressão mais tranqüila no rosto e quiçá na alma.


Na outra margem do paraíso, na noite anterior, numa das ruas mais movimentadas daquela cidade, também aconteceram cultos religiosos até o dia clarear. Havia muitas Igregoras por toda a redondeza, em maior número naquela rua iluminada pelas luzes coloridas destas casas contemplativas. Bacanais a Baco regado à Vinho e outros aperitivos da civilização moderna. Dionísio sai de um destes lugares meio em transe com seu instrumento de fé e devoção nas mãos. Guarda-o zelosamente dentro das calças na parte da frente e segue atravessando as ruas, cambaleante e sorridente, a cortejar devotos, abraçando outros, não por gentileza ou educação de suas crenças, mas devido aos prazeres de seu espírito benéfico e desejos intensos do corpo. Embora também naquele local, as pessoas prestavam essas mesmas condutas, cada um a seu estilo, entretanto, levados pelos ensinamentos morais do Grande-Pai-Rei do Transe do Amor – Baco.
O assíduo religioso em transe atravessou a rua e parou em um estabelecimento doador de dízimos às instituições do Deus: afrodisíacos, bebidas sagradas e alguns outros materiais incitantes e liberadores do prazer. Sentou-se na cadeira ao lado de um dos irmãos para acompanhá-lo no Cálice Sagrado do Vinho à mesa. Cumprimentou intimamente e com um olhar de surpreso, o rapaz de vestimentas coloridas, salto alto brilhante e dourado, maquiagem cintilante por todo o rosto e batom vermelho bem forte. Pediu um dos dízimos, outra bebida de suma importância para os cultos: a Cevada fermentada, ingrediente fundamental para a perpetuação e criação da hospitalidade e dos laços concretos e sinceros dentre todas as comunidades, bem como, a consolidação do bem-estar do convívio social, ingrediente auxiliar ao esquecimento de todos os aborrecimentos rotineiros dos quais, todo indivíduo estava exposto, além da aproximação de diálogos, de trazer a paz espiritual e proporcionar a liberação do Id e outros prazeres muitas vezes ocultos.
Dionísio se serviu e começou a prosear com calma e naturalidade, como se conhecesse há muito tempo aquele rapaz extravagante:
– E aí, não resistiu ficar em casa e veio cultuar esta noite?
– É, sabe de uma coisa, cansei de perder tempo. Não quero mais me privar e me resguardar dos meus desejos, de minhas vontades. Quero mais é aproveitar a chama acesa de meu corpo, enquanto tenho.
– Puxa, agora sim! Mas você já liberou todo esse vulcão adormecido esta noite?
– Hum, ainda não! Não tenho muita fé, sabe?
Dionísio propõe um brinde ao Grande Baco e diz:
– É normal no começo, quem nunca se entregou, não sabe como é. Tem que ir devagarzinho, aproveitar da melhor forma a primeira vez, mas nada de timidez ou pudor, tem que ser na mais pura e esplêndida safadeza animal, com delicadeza até pegar o embalo, mas tem que ser sacana, puto, até se render a Eles. Minha fé é inabalável, afinal somos essência dos prazeres, em corpo e espírito. Por mais que negamos e relutamos, sempre estamos condicionados a Baco, de uma forma ou de outra. Todos têm caminhos e escolhas, com suas diferentes práticas, livros sagrados, padrões e morais, mas todas as direções sucumbem ao Nosso Deus do Amor, seja por Orgia Bacanal, sozinho ou a dois.
– Esperei por muitas vezes esperar o momento certo para transar ou praticar o coito por motivos especiais, conforme os ensinamentos recebidos de outros cultos que eu acreditava e seguia recentemente...
– Enganação, meu caro! Você e muitos outros são ludibriados a encarar o ato como pecado mortal. É um bando de velhos que nunca sentiram esta fé deliciosa penetrar literalmente em seus corpos e no espírito. Renegam as divícias da vida propositais da existência...
O rapaz apreciava Dionísio deslumbrar as palavras a sua frente. Quiçá, estímulos imprescindíveis para ele sair do calabouço modesto a findar seus desejos impudicos e ocultados pelas crenças de uma sociedade imoral à vida e à existência dos seres, seja por direito ao prazer infinito de uma dádiva natural, seja para manter a espécie.
– Você entendeu querido? Há um propósito comum a todos os seres: a procriação natural da vida, e que culpa temos ao deleitarmos desse nécta soberbo que é propiciado naturalmente a nós? Infelizmente alguns animais desprovidos das divícias do amor à grande intenção espontânea, carentes de sentidos de gozo, deliram barreiras calejadas oriundas de mentiras que ditam a renegação dos prazeres da carne, circuncidando os sentimentos do espírito com um manual dito prático do que se deve fazer e não fazer, intimidando os seres joviais ao sepulcro das vontades das experiências do propósito.
– Velhos doentes e impotentes que tentam acabar com a nossa vida, empurrando hipóteses de viver no escuro frio de um pecado enganador...
– É isso aí querido! Viva a Baco e a seu filho Sade! E ao nosso Grande Eros... é isso meu querido! Pecado enganador, uma moral indigna, um deus minúsculo e um filho castrado, em que todos já nasceram mortos de espírito e murchos de raízes. Entendeu agora?
– É, demorei pra aceitar seu comportamento, você sabe por quê? Mas eu ainda tenho medo.
– É, sei sim, mas ela aprende. Um dia ela vai se entregar, é uma questão de tempo. Ora, não tenha medo, segure minha mão. Confia em mim... assim. Venha, eu te mostrarei a devoção fervorosa ao Grande Baco. Vamos? Sem amanhã, sem limites? Entregue-se a ternura da paixão, de corpo e alma.
Segurando a mão do rapaz e dirigindo um olhar sedutor, Dionísio levanta-se do acento, pede um cálice sagrado de Vinho e conduz o amante a uma Igregora do prazer. Em silêncio entraram no quarto das tentações. Brindaram à Vinho ao Bacanal de Sade e começaram a se beijar e a se tocar ardentemente, deitando ambos no ninho do amor de formato redondo. Os trajes imorais voavam ao chão, peça por peça, até a nudez completa para facilitar a sensibilidade viril dos dois fogosos seres carnais em erupção. Dionísio com toda sua sabedoria e experiência no colo e o rapaz com seus medos nos olhos e a sua delicadeza nas mãos, ambos com suas fé e devoção eretas e rígidas, transmitidas aos sentidos do paladar, boca a boca, do olfato puro, do tato quente e forte de atrevidas mãos, mais que requintados às divícias do sexo, ouvindo atenciosamente os sussurros, ora cerrando os olhos, ora olho no olho em meio ao prazer recíproco, respiração ofegante, línguas ousadas, corpos suados, um em cima do outro, mas sem distinção e sem preconceito ou superstição, desavergonhados às posições e às convenções, aos olhos dos dois e na presença de Baco e seu filho Sade, coito do bacanal sádico. Pensamentos pegando fogo se tocavam no momento único, instigante e erógeno de desejos comparsas ao objetivo final, orgasmo livre e solto a grudar no espírito para sempre, até emissão do brado evoé.
Por mais de uma hora fizeram o ninho se desmanchar e quase quebrar-se devido a potência acumulada da fé simbiótica. Dionísio masturbou toda a sua vivência promíscua natural e inócua aos verdes sentidos do rapaz que habitava a inocência da puberdade, gritando para seu espírito enfim despertar do silêncio e do tenebroso, impostos por fábulas, espírito outrora escondido pelos velhos pícaros e vis nos jazigos do medo eterno, trapaceiro e abjeto. E ele conseguiu ejacular os encantos do rapaz. O sono pedia recomposição dos hormônios e paz do espírito. Dionísio propôs um brinde a Divindade representante da essência sexual dos seres. Um gole, dois goles para o orgulho final do ato. Dionísio depois observou seu parceiro sem forças deitar-se em seus braços fortes e peludos, molhados pelo nécta do sexo. Fez um pouco de carinho em seu rosto e em seus cabelos, acomodou melhor o jovem, bebeu mais um gole de vinho e adormeceu ao lado dele, deleitoso e honroso pela noite intrépida.

Maria ouviu atentamente àquelas palavras piedosas, agradeceu e pronunciou um amém, despediu-se beijando a mão do conselheiro e partiu para casa com uma expressão mais tranqüila no rosto e quiçá na alma.
Rotineiramente, nos finais de semana, quando chegava da missa, Maria sempre encontrava seu irmão acordado recém chegado das noitadas. Naquele dia não foi diferente. Até chegar ao portão de seu lar doce lar com pães e queijos fresquinhos, saudou os vizinhos com um bom dia simpático e prestativo, típicos de seu caráter afetuoso. Ao entrar, percebeu pela janela a luz do lavabo acesa e logo imaginou a presença do irmão. Entrou na cozinha, colocou o que seria o café da manhã em cima mesa, junto com seu livro sagrado. Viu a porta do banheiro aberta e caminhou pelo corredor a fim de cumprimentar o ausente herege e noturno... Teve um espasmo por todo corpo que abalou toda a sua dignidade religiosa e humana, provocando um súbito grito de repulsa e desespero:
– Dionísio!
O depravado sem camiseta, com os olhos arregalados e a boca aberta sussurrando prazer, ejaculou no vaso sanitário bem na hora do grito de repúdio da menina. Esperou um pouco e depois respondeu:
– Ah... oi querida irmã! Já chegou?
– Não acredito nisso, seu desgraçado! – responde ela aos prantos.
– Nossa como isso é bom! Não acredita? Por quê?
Ela corre para o quarto, levando consigo a indignação e o pudor, talvez descrente do que tinha visto e bate a porta com força. Dionísio veste a bermuda e vai ao encontro dela.
– Maria, minha linda, não fique assim, o que foi? Você anda muita tensa, querida. Vem cá, vamos conversar. Abre a porta.
Maria chorava desesperadamente a soluçar e gritar para o devasso calar a boca e sumir de casa e que nunca mais queria vê-lo. Ele insistia:
– Ora, pára de se comportar como uma criança boba e abre essa porta. Você foi para aquele antro da mentira de novo? Não aprende mesmo, né? Até quando vai permitir que esses velhos castrados te enganem? Eles estão acabando com sua vida, querida, não percebe?
– Cala a boca, pára com isso! Me respeite, seu louco pervertido, não sabe o que diz! Vai queimar no fogo do inferno, seu sádico imundo sem salvação.
– Sádico? Isso mesmo, viva à Sade, filho de Baco! Mas não precisa me elogiar, fico sem graça. – Risos em meio aos prantos e as preces da simples pudica. – Vou queimar sim Maria, no fogo do idílio, no calor humano do abraço, dos beijos ardentes, da penetração do toque, fé com fé na dádiva carnal do amor doidivanas e espiritual, como um lobo no cio esperando o coito, a fornicação...
­– Meu Deus, perdoa esse indigno de tua benção e livrai-me desse mal! Você não presta Dionísio!
Ela começa a rezar um Pai-Nosso bem alto.
– Eu sei disso, mas eu te amo, não viveria sem você! E sabe de uma coisa, esses malditos velhos deturpam o teu Deus, vendendo a figura de um Deus tolo que escraviza o corpo a viver na insignificância. Jesus foi um discípulo de Baco, foi um grande amante do transe sexual e do Vinho Sagrado. “Nem só de pão viverá o homem”, mas também de vinho, amor, sexo, tesão, gozo. Você tem que aproveitar enquanto está viva, não se esconda mais nessa tua castidade, querida.
Nesse momento, Maria abriu a porta do quarto e partiu com raiva pra cima do irmão. Assim ela me disse. Gritando palavrões de repugnância e ódio, esbofeteava-o descontroladamente, e quanto mais ela batia mais ele se divertia:
– Isso gostosa, assim mesmo! Libera essa energia sexual que há dentro de você! Jogue todos os seus desejos em mim e sinta o orgasmo de tocar em um corpo. Esqueça a velha imagem de Jesus e aqueles velhos virgens e covardes que atrasaram seus hormônios e fizeram regredir teu espírito, inserindo uma compostura ridícula. Eu te amo, sou seu irmãozinho querido...
Maria perdia as suas forças à indiferença do irmão e devido ao choro desolado. Percebeu que Dionísio estava todo vermelho e com o nariz sangrando. Sentou-se no sofá e colocou as mãos no rosto no puro desespero. O irmão sentou-se ao seu lado, olhou-a por instantes, disse algumas palavras carinhosas de consolo e a abraçou fortemente acariciando seus lindos cabelos sedosos. A menina titubeou um pouco, mas logo retribuiu o abraço. Dionísio ergueu o rosto dela, tirou as mãos que cobria seus belos olhos esmeraldas e tentou enxugar as lágrimas. Amorosamente e em silêncio, fitou-a por todo o semblante. Olhos fixos em sua boca carnuda e lábios entreabertos. Ela o olhava da mesma maneira, reparando em sua expressão safada. Relutou em me dizer isso e também o porvir da iminente situação, porém eu insisti muito, pois comecei a me excitar, há muito tempo não sentia esse calor por ela, estado que intensificou com os próximos relatos.
Dionísio segurou firme seu rosto com o olhar de safado de antes, aproximou boca a boca, respirou um ar quente que a fez tremer e se arrepiar toda, dos pés a cabeça, e se beijaram primeiro lábios com lábios, depois se abraçaram tão juntos que pareciam dois em um corpo, propiciando mais fervor dos toques, para assim as línguas se enrolarem céu a céu, tesão com tesão. E aquele ato foi queimando seu ser. Seu corpo e seu espírito entravam em erupção aos céus daquele prazer varonil. Disse-me com pormenores sobre seus pensamentos nas palavras de seu livro de cabeceira chamado bíblia e nos conselhos do padre, pensando em parar com aquilo. E eu sem me conter no tempo das cenas ocorridas, peguei a mão de Maria emprestada para acariciar meu instrumento de fé e emprestei a minha mão pra ela, dizendo para não parar e prosseguir com a narração depravada e divina, agora encenando comigo o que havia acontecido dias atrás com Dionísio. Sussurrava sedutoramente em meu ouvido e demonstrava com o corpo:
– Pensava em Jesus e queria parar com tudo na pretensão do confessionário, mas confesso que o fogo escaldante da fúria do Clitóris de Sade e de Baco, enlouquecia a pureza de minha mente. Pouco a pouco eu desistia de carregar a cruz da castidade, os pregos de minhas mãos medrosas e os espinhos de minha imaginação e, devido a esses desejos despertados das cinzas, soltei a vergonha e libertei meus instintos insanos e eróticos trancados no quarto-calabouço do pudor. Liberei minhas vontades no corpo em chamas de meu irmão Dionísio já nu em minha frente. Pela primeira vez senti o poder louco de uma verdadeira fé consumir minha mente e transgredir conceitos imorais aos sádicos preceitos morais do Grande Sade. Fizemos amor e sexo como dois seres desprovidos de libido e munidos de afeto e desejos, magnetizados pelo mesmo sangue que nos unia.
Da mesma forma, eu José, noivo de Maria, que esperei por anos esse divino momento prometido somente após o matrimônio, senti uma noite antes e depois ao lado dela todo esse orgasmo celestial e excepcional. Maria me amou e me possuiu exatamente como naquele dia especial ao lado do sedutor e salvador irmão. Decerto, não fui eu, sua primeira experiência... Consolo-me ao saber que depois de tanto tempo eu estar na escuridão do sono gelado e solitário, antes de me acender nas labaredas do prazer vulcânico, casto à espera do matrimônio, não fui seu primeiro contato sexual e vice-versa. Entretanto, transbordo em alegria de estar ciente que nós dois nos libertamos do sofrimento pungente da virgindade com a mesma santa pessoa, com os mesmos sentimentos, com os mesmo toques, cheiros, gostos, sons e olhares intencionados, com o salvador e libertador do orgasmo múltiplo, Dionísio. Minha experiência foi numa noite anterior ao dia de Maria, em uma Igregora do outro lado, no paraíso das tentações mundanas e humanas. Na noite da minha vida, onde nosso santo homem me libertou com suas intenções e convicções. E este sêmen divino, bel fruto do cordão umbilical que nos une, eu e Maria vamos carregar além-mundo. Mas será um segredo guardado eternamente em meu silêncio, junto a minha amada amante Maria.

"O LOBO e a CORUJA" (conto)


Noite carinhosa e sublime passeando pelas nuvens, despertando os amantes a caminhar ou a pousar à beira do rio que refletia suas filhas do céu. Os doutores do amor, esplêndidos a observar a lua glamorosa ao lado da estrela exibida. Ventos dos pólos tremiam os corpos celestes de cima a baixo, de um lado ao outro. Ali próximo do local, a Coruja ostentada na janela de sua toca à espreita de seu amor desfilar, ansiosamente olhando fixo para um ponto, aguardando o momento. Eis que surge na parte mais elevada daquele lugar, a luz brilhante de seu amante, sozinho e louco para o encontro, que a faz tremer de felicidade. O Lobo percebe sua paixão ostentar a beleza de longe, pára no alto do cume por uns instantes de cortejo, e parte em disparada na velocidade do coração e do vento, uivando músicas poéticas com o sorriso nos olhos, trazendo todo o seu romantismo em uma flor prima das rosas.
– Olá meu amor, demorei? Desça até aqui pra eu cobrir teu coração de beijos, decorar teu rosto com esta invejosa prima das rosas e poetizar atrás de tuas coxas ao mesmo tempo frio, mas com o calor de meu corpo, para assim podermos amansar nossa saudade e cantarolar em teus ouvidos.
– Já estou indo meu lindo, brisa de meus sentidos!
– Venha, mas venha flutuando em meus sonhos presentes, assassinando o passado para nos amarmos.
A Coruja desceu rapidamente, bailando sua suntuosidade, feliz e sorridente para as promessas de seu amado. E o Lobo na mente, imaginava contente, sua paixão flutuando pelo espaço. O beijo ardente acabou com a saudade e a agonia. Em seguida o Lobo cantarolou seus sentimentos poéticos aflorados atrás das coxas dela, ritmando a dança da paixão e do êxtase do toque. De corpos dados, os dois passeavam pelas ruas iluminadas da cidade, a contemplar a natureza e a alegria refletida da beleza noturna. Corriam pelos bosques, brincavam de se esconder atrás das árvores, se molhavam na beira do rio, tacavam pedrinhas pra ver quem arremessava mais longe. A tranqüilidade do lugar deixava ouvir o som das águas. Felizes, se beijavam e se abraçavam a fim de se esquentarem sob o céu estandarte, rajado de estrelas. Lobo se exibia para Coruja correndo como um louco sedutor, espalhando sua magistral beleza varonil e seu canto poderoso e encantador. Ela por sua vez, cobria o lugar com sua bela plumagem branca bailando no ar e em volta de seu corpo, a leveza que a natureza deu-lhe. Sentaram-se juntos em baixo de uma árvore.
– É tão bom ficar ao seu lado, minha Corujinha Branca!
– Não quero nunca ficar longe de você. Tu és minha proteção, minha vida, minha força pra viver. Sinto-me amada e segura ao seu lado. É tão bom ter alguém como você, será que há outros casais vivendo esse momento como o nosso?
– Ô meu amor, nunca ficarei longe de ti, sempre estarei aqui pra te amar e te proteger. Olha lá em cima, no céu! Está vendo a lua e aquela estrela ao lado dela? Somos nós, você é a linda lua e eu sou aquela estrela brilhante, outrora solitária, que enquanto estiver contigo, brilhará ao infinito. Viu? O Lobo e a Coruja?
Coruja ficou contemplando a paisagem descrita sem piscar seus grandes olhos esmeraldas, em silêncio e com o sorriso jovial e verde de sempre. Lobo construía estrofes sobre esse semblante misterioso e apaixonante. Parecia que o vento queria cantar sua bela canção ecoante em cortesia a esse amor sublime. As águas do rio começavam a puxar a valsa do coral dos pássaros que pousavam em seu colo. As folhas verdes caiam do colo de suas mães e bailavam no ar logo em seguida. O palco sob os pés dos amantes do mundo esquentavam a alma. Nem as outras estrelas contiveram-se, estriavam o céu enrubescido com suas cintilantes lágrimas de emoção, de ponta a ponta, ornamentando esse eldorado cadente. Tudo estava perfeito aos beijos e abraços sinceros e afáveis do casal, atração da noite mágica armada e concebida pela Mãe Natureza. Ficaram todos ali por horas e horas, sem amanhã no mesmo cântico ritualístico de amor.
Conheciam-se há algum tempo. Lobo era muito solitário e às vezes transmitia tristeza. Passou grande parte de sua vida protegido por sua mãe, uma defensora voraz e guerreira. Ganhou independência mais tarde ao se aventurar pelo mundo com os amigos. Sofreu um pouco para se adaptar, entretanto a lei da selva pedia essa circunspeção para adquirir experiência. Provou vários amores durante essa saga, e ao contrário de seu rebanho e a lei do coito e do instinto, passados como códigos imutáveis, ele desejava eternizar um amor único e necessário para a felicidade de sua alma, diferente das dos outros.
Coruja era misteriosa dama da noite, muitas vezes incompreendida por ser tão independente e decidida em sua caça afetiva. Desejava encontrar também um grande amor, mas não com tanto fervor. Entretanto, seu instinto livre, leve e solto qualificava-a como um ser nascido para voar sem ninguém que a segurasse ou dominasse. Perdera logo cedo a proteção paterna e se desprendeu dos cuidados da mãe, batendo as asas da curiosidade para longe da caverna protetora numa transformação precoce. Até conhecer Lobo, avistá-lo do alto de sua beldade e ousadia, para então voar e pousar em seu colo, e se entregar aos seus encantos. Chegou no momento certo para Lobo. Conseguiu abrir seus olhos tristes e decepcionados perante a vida na busca de um sentido. Assim, cada um pôde oferecer suas essências em comum: ela com a beleza de seu horizonte e doce liberdade dos instintos; ele com a ternura de sua proteção de seu colo tranqüilo, amável e poético. Enfim, compartilhavam as diferenças dentro da troca sincera de desejos de se amarem e se completarem.
O amor é remédio que cura os seres do mundo de quaisquer doença e sofrimento. O amor transforma vidas, intensifica paixões e sentimentos. Promove sonhos, liberta o espírito, transborda a felicidade e realiza desejos. O amor ama os amantes incondicionalmente, une, aproxima, emite, emana, possui, voa e deixa voar, o amor caminha e dá pernas pra andar. Resume e prolonga o tudo e o nada e preenche o vazio e completa o cheio. Intensifica brandamente o calor e aquece ardentemente o frio. Doa flores pra aflorar os frutos e despedaçar os espinhos. Esquece o tempo e rejuvenesce a alma. Cria a esperança e varre o desespero. O amor acredita no amor desdenhando a dúvida. Ah o Amor! A paz que acalmava o coração de Lobo e devolvia-lhe o prazer de viver. Ah o amor! A proteção e a magnitude que Coruja procurava a seus belos olhos grandes, dantes assustados.
Lobo esquecia-se dos quefazeres matutinos quando se encontrava com a noite e com sua bela dama. Fiel aos seus sentimentos, não pensava em outra vida que não fosse ao lado dela. Mal tinha tempo pra fazer planos, dedicava toda atenção a ela sem se importar com o dia seguinte, com sua toca do Lobo, com qualquer outra coisa. Sonhava com a próxima noite após o término de uma memorável, transformava tudo isso em poesia, em conto imaginário fazendo-se real naquele presente dos deuses. E assim vivam Lobo e Coruja, num conto de fadas vivo, no mais puro, singelo e recíproco amor, vencendo as dificuldades no início, mas fortalecendo a cumplicidade. E seus amigos eram testemunhas de tudo isso. Acompanhavam os passos leves dos dois, união inquebrável. Alguns não concordavam com aquele cônjuge porque seguiam a cadeia instintiva do acasalamento sem compromisso, contudo, nada poderiam fazer com a força crescente do amor. Por anos concretizaram essa respeitosa amizade entre si, preservando suas personalidades, tendo como centro primordial, Lobo e Coruja para perpetuação do grupo.
A intimidade entre eles nunca foi problema ou sintoma de ciúmes. Havia espaço para todos, sem ferir a privacidade de cada um ou do casal apaixonado. Um único empecilho apareceu aos poucos com a independência de alguns amigos e a vontade de buscar novas aventuras e experiências. Naturalmente, o grupo foi se desmanchando, a individualidade gritou mais alto que a companhia. Lobo não se importou tanto, mas percebeu a iminente solidão que poderia entediar Coruja, mesmo porque muitos amigos não faziam companhia durante o seu dia ocioso, e isso poderia provocar saudade de voar livremente pelos céus como antes. Mesmo assim, continuaram se amando do mesmo jeito. Foi nessa época conturbada da amizade que conheceram Coiote. Suave no falar, elegante e altiva beleza, simplicidade no olhar, romântico e sapiente, o casal acolheu sua simpatia mesmo a uma iminente disparidade com o resto dos amigos. E Coiote era prestativo e atencioso, tinha tempo livre e cada vez mais se tornava íntimo, principalmente de Coruja e de suas amigas. Lobo, condoído com solidão da amada, apoiou a amizade vespertina já que só poderia vê-la à noite depois dos quefazeres diurnos, convicto da fidelidade e lealdade mútuas. E seus amigos cada vez mais se distanciavam, sem raiva, pois já eram vacinados, porém um pouco magoados. E Lobo e Coruja continuaram se amando e se desejando mais felizes como nunca.
Meses passaram e nada havia mudado na vida do casal. A amizade de Coiote era mais intensa. Jovem ser que exordiava com leveza sobre o amor e sua disposição para encontrar uma grande companheira para suas noites solitárias. Esse era assunto de muitas horas de conversas do novo conluio de amigos. Lobo e Coruja e as amigas tentaram ajudá-lo nessa procura, mas Coiote mantinha-se à espreita de sua timidez ou escolha. Certo dia ele enfim encontrou o que há muito procurava no auge de sua mocidade.
Sábado à noite, Lobo em casa se preparava para ir à casa de sua namorada. Cantarolava no banho e declamava poesias em seu quarto. Dialogava com sua mãe sobre a ansiedade de ver o motivo de suas alegrias, a progenitora apoiava com imenso orgulho. Pretendia passar a noite inteira com sua dama do firmamento que despontava imponente no horizonte, na companhia de sua dama terrestre, a Coruja de seus sonhos, dona de seu coração. Inspirado, escreveu ditosas palavras em uma folha de papel para presenteá-la. Caprichoso no trato da aparência, exalando o cheiro favorito dela, chegou à rua do paraíso. Viu seus amigos ausentes e parou para prosear saudosas conversas:
– Boa noite pessoal, tudo bem?
– Fala Lobo apaixonado, como vai meu caro? Vamos pra vadiagem hoje?
– Então, gostaria de pedir desculpas pela minha falta a vocês, tenho saudades dos velhos tempos!
– Ora, vamos matar essa saudade. Avisa sua amada e vamos curtir a noite como nos velhos tempos.
– Galera, vocês não sabem o que é sentir esse amor dentro de mim, é muito grande e poderoso. Não consigo fazer outra coisa, não consigo ficar longe dela. Nós combinamos passar a noite juntos, olhar as estrelas, a lua, conversar, beijar, abraçar...
– Está bem então, deixa pra próxima! Vai lá namorar de novo.
– Amigos, estou vivendo os sonhos que sempre tive e sempre idealizei, se vocês gostam realmente de mim vão me entender, eu preciso dessa compreensão, adoro vocês e amo aquela Coruja Branca. É o meu momento e eu não posso renegá-lo.
Logo houve um breve silêncio. Mudaram de assunto e depois de uma hora Lobo entrou na casa de Coruja. Assim que se viram, beijaram-se intensamente. Ela estava cheirosa como sempre, doce, linda e carinhosa. As amigas dela e Coiote aplaudiram a cena, sentados nos aposentos da sala. À convite da dona do lar, o casal foi para o quarto possibilitar privacidade. Docemente, Coruja convidou seu amor para passearem na noite. Disse que precisava se divertir ao lado dele e com as amigas e com Coiote. Lobo pensou em alertar sobre o combinado de ficarem juntos e a sós com ela, pensou em entregar a poesia e não achou oportuno o momento, apenas afrontou com ternura seus belos olhos e disse para conforto:
– Querida, faz o seguinte, vai você e se divirta com eles. Eu não quero exposição hoje, deixa para a próxima. Se você quer quem sou eu pra impedir, voe, mas voe bem alto que é pra eu ver você daqui. Eu te amo, meu amor! Vai sossegada!
Coruja rasgou o rosto com o seu belo sorriso meigo e agarrou seu parceiro compreensível com toda a força e amor. Quase se entregaram ao ritual sexual dos desejos. Ficaram somente nos toques sensuais com leves pitadas de safadezas. Enfim, Coruja acabou descumprindo os planos deles e partiu para o vôo com suas amigas e Coiote. Lobo observou a partida dos seres notívagos, mais prestativamente sua razão de viver, suas belas curvas e seu sorriso a voar com o vento. Ansiou boa diversão a todos. Olhou para o lado e deu-se conta que ficara sozinho, pois seus amigos já haviam partido. Sentiu-se perdido e abandonado, porém não desanimou, sabendo que o amanhã não demoraria a despontar, foi para casa descansar e sonhar com sua musa, pedindo proteção e uma boa noite a Coruja aos céus, à lua e às estrelas. Ao deitar-se, teve um pensamento aplausível sobre a necessidade dela de se divertir e a necessidade dele em agradá-la de qualquer forma, pois já havia sofrido muito na vida e precisa espairecer a alma, sendo assim, ele não seria do contra.
Domingo. Lobo preferiu levantar cedo para aproveitar melhor a alvorada. Acordara feliz e como sempre bem humorado. Pôs-se a caminhar pela natureza sob o sol imponente da manhã. Prestou atenção nos pássaros sobre os ninhos em cima das árvores, e como cantavam afinados. Outros já voavam sincrônico em busca de alimentos ou por exibicionismo. Por onde passava deparava um ser vivo cheio de alegria. Mais adiante correu com as borboletas, uma diferente da outra, uma mais bela que a outra. À beira do rio, contemplou o deslize dos seres aquáticos sobre a água. Conforme o tempo passava mais seres surgiam na região. Algumas formosas corujas cruzavam seus olhos, mas Lobo não tinha olhos para elas, na ocasião lembrava-se de sua Coruja exuberante. Deu-se conta da saudade e determinou tomar rumo a casa dela a fim de fazer uma surpresa. Antes pegou a poesia da noite anterior e convenceu-se de que iria mostrá-la a qualquer custo naquele dia. Passaria o dia todo lá para compensar a falta que ela fez. Coruja ficara realmente surpresa com a visita do amado e da mesma forma costumeira, se tocaram fortemente com o mesmo carinho e paixão. Acomodaram-se para dialogar e Lobo ansioso, foi logo perguntando sobre como tinha sido o passeio, obtendo a resposta positiva. Lobo estava muito alegre e obsequioso na presença de Coruja. Tagarelava sem parar sobre seus sonhos, seus desejos, a saudade que sentiu noite passada, sobre seu passeio na alva do dia, sobre a beleza do mundo, preparando terreno romântico para entregar mais uma de suas obras poéticas. Ela parecia jogar seus absortos olhos ao nada, parecia pensar muito, mas não nele. Distintamente, a alegria de Lobo era grande e eufórica. A dama acalmou-lhe e disse que tinha algo difícil para lhe contar, surpreendendo o loquaz:
– Desculpe amor, fico aqui falando sem parar e nem deixo você se expressar...
– Lobo meu amor, você sabe que eu te adoro, não é mesmo?
– Mas é claro minha querida!
– E sabe também que eu jamais faria algo pra te magoar? E que você foi o ser mais importante para mim?
– Tenho certeza, mas o que foi, por que está me perguntando isso agora?
Silêncio em meio ao sorriso dele. Momentos de apreensão a espera do devir. Os olhos de Coruja encheram-se de lágrimas e ela não disse mais nenhuma palavra, apenas o abraçou como de costume. Lobo retribuiu e sentiu um magnetismo diferente, não compreendeu as lamúrias e insistiu resposta. Entretanto, Coruja continuava chorando em seu colo sem olhá-lo nos olhos nem por segundos. E mais por brincadeira e para quebrar a frigidez, Lobo perguntou:
– Você quer terminar comigo, quer acabar com tudo e voar livremente pelo...?
Sorriu logo em seguida. Silêncio em meio a um novo e jovial sorriso. Face que mudara após ela fitá-lo serenamente. A expressão de Lobo mudara repentinamente. Era isso mesmo a intenção dela, porém não emanava coragem e forças para dizer aquilo, concluiu o apaixonado. Lobo, exigindo respostas, desabou em prantos desesperados. A toca desaba levando consigo o espírito. A angústia voraz devorava seu coração em não obter resposta do motivo repentino. Sua alma começou a chorar e seu coração a sangrar. Coruja somente disse que não sabia o porquê, que o problema não era com ele e sim com ela, contudo não esclareceu o motivo deveras, só queria terminar com tudo e que estava sofrendo muito por isso, mas desejaria a amizade dele para sempre. Inútil consolo para o amante que indagou sobre a noite anterior, até então loucamente juntos no quarto. Nenhuma reação da parte dela. A cena, mérito de indulgência, ficou nessa lamentável dúvida e nesse triste fim de paixão avassaladora de anos, de momentos inesquecíveis, fim de um amor lúcido e cúmplice, feliz e divino, aparentemente duradouro.
Lobo preferiu ir embora argumentando sobre a dor que sentiria se ainda continuasse vendo-a chorar e partir de sua vida. Como deslumbrado nato, consolou-a abraçando seu corpo e beijando sua boca pela última vez mediante ao choro conjunto e doloroso. Ela pediu para não deixarem de se ver e continuarem amigos. Dirigiram-se ao portão e numa derradeira despedida, Lobo disse:
– Você foi, é e será a única Corujinha Branca de minha vida. Eu ainda não compreendo o que estou sentindo e o porquê de tudo isso, mas eu ficarei bem, eu espero. Se precisar de alguma coisa sabe onde me encontrar, estarei ao seu dispor sempre. Eu te amo!
– Obrigada por me entender, eu também te amo meu Lobo! Preciso ficar sozinha pra ver se consigo me entender. Por favor, nunca diga adeus!
Dizendo isso, mais um abraço e um beijo vagaroso, intenso e sofrido. Lobo tomou seu rumo, olhou duas vezes para trás e pensou no que poderia ter feito que culminasse nesse fim imprevisto. “Será que não consegui escoltar seu vôo ou viver seus horizontes? Será que me tornei um empecilho em sua vida devido a minha quietude, e sua mocidade exige mais aventura do que compromisso?” Perguntava a si mesmo sem ter respostas, enquanto seu coração em ruínas beijava o chão sem o alicerce do espírito presentemente apagado. Olhou para o céu a fim de replicar qualquer pensamento, mas nada, silêncio no alto. Ao chegar em casa não disse sequer uma palavra, guardou a poesia de amor que novamente não obteve sucesso para declamar, e foi deitar-se imediatamente com suas lágrimas, com suas dúvidas, com suas dores.
No outro dia a família o confortou nos braços do lar. Os amigos todos já estavam sabendo e fizeram uma visita ao amigo magoado e deprimido, intuindo que deviam dar o mesmo conforto. Após longos bate-papos, Lobo pediu encarecidamente para ficarem do lado dela também, não a deixassem sozinha, sejam quais fossem os ensejos. Os amigos estiveram ausentes por muito tempo, mas na hora da dor surgiram benevolentes para amparar, deixando Lobo contente e orgulhoso pela amizade. Nos outros dias da semana se privou de companhias a chorar sozinho em seu quarto, a ler e reler àquela poesia, a escutar as músicas marcantes da épica paixão que vivera ao lado de Coruja, a observar as estrelas e a lua e imaginá-los juntos de novo, boca a boca, corpo a corpo. Sentia o cheiro dela por todos os cantos, sofria e se corroia em dor, tristeza, melancolia e desânimo pela falta que ela fazia, pensando sempre em sua amada e no quê ela estava pensando e passando sozinha.
Numa sexta-feira resolveu sair da toca e espairecer os instintos, aproveitar e ter alguma notícia da adorada ou vê-la pelo menos, de longe que fosse. Deparou seus amigos em frente a casa dela e ficou por ali conversando. Logo avistou Coruja vir em sua direção com algumas amigas, e acompanhada de Coiote. Lobo sentiu o beijo de Coruja na face, frio e penoso. Pela primeira vez sentiu ciúmes da amizade do amigo para com ela. Sem muitas palavras e olhares, o grupo partiu não se sabia para onde. Ver sua paixão novamente só aumentou a desolação da alma e Lobo preferiu retirar-se a seu martírio solitário mesmo com as advertências dos companheiros que almejavam alegrá-lo. Seria mais uma noite de choro silencioso embaixo das cobertas das quais não aqueciam sequer seu corpo, que dirá o espírito.
No outro dia, Lobo levanta de seu ninho sem sequer ter pregado os olhos, inchados e ardidos de tanto chorar, mal conseguia contemplar a luz do dia. Tomou seu café matutino sem abrir a boca aos seus familiares. Estava disperso e abatido, sabia da necessidade de tocar a vida, no entanto naquele período não reunia forças para tal compromisso. O relógio não andava na mente dele, o tédio da solidão esbofeteava sua eutimia. Ninguém veio lhe visitar, nem menos a brisa da natureza ou cheiro das rosas, nem menos a inspiração poética de outrora. Ficou parado no quintal de seu lar a bisbilhotar o teto da natureza acima de sua cabeça confusa, inclusive ver a lua despontar meio encoberta pelas nuvens cinzas, ao lado de uma estrela solitária que havia perdido o brilho, o Lobo e a Coruja dos céus, a lua e a estrela, uma encoberta pelas nuvens e a outra quase apagada. Já era noite, obumbrada pelo desânimo de viver, contudo restava uma esperança, Lobo se convencera de que não podia aceitar uma derrota imprevista e de que valeria a pena ainda lutar, não só para continuar brilhando, mas também lutar e reconquistar seu grande amor depois de tanto tempo de sutileza, beleza e balé de sentimentos puros e sinceros. Decidira correr atrás de seu amor uivando poesias entre os tempos e entre as dúvidas inaceitáveis para sua alma instintiva.
Cheio de esperança e sagazmente decidido, foi ao encontro de sua razão de viver, munido da tão aguardada hora de mostrar a poesia Chegando ao escopo, avistou seus amigos em frente a toca de Coruja. Esperou que ela saísse ou mostrasse vestígios de sua presença. Momentos depois o portão se abre... Era Coiote aparentando se despedir. Depois, ela... tão formosa como sempre. O coração de Lobo dispara na velocidade do vento de novo. Os batimentos boleavam sangue quente e frio a todo corpo. Os olhos arregalados e ansiosos por uma lacuna pareciam resumir a reposição de forças para dar início a sua reconquista. Respirou o que tinha de respirar, foi lentamente na direção dela que não tinha percebido a presença do antigo amor. Imediatamente Lobo pára de caminhar. Sua pressão arterial aumenta, mas agora de raiva, após Coiote tocar com ternura o belo pescoço de Coruja, aproximando-se dela para golpeá-la com um beijo... Em seguida o corpo do saudoso amante gela e atrofia de súbito. Coruja abraça Coiote e golpeia-o com o mesmo beijo. As forças recompostas de coragem se dissipam ao relento. O corpo continuava ali, entretanto, o espírito martelado afundou na natureza morta. De repente, Coruja intui a presença do amado, e assustada, afasta-se de Coiote. Olhos atônitos e pasmos, quase chorando, de culpa talvez ou surpresa mesmo, parecia não saber o que fazer ou o que dizer, sem reação. Coiote permanecia insensível. No último resquício de vitalidade, Lobo olha para cima procurando os últimos suspiros brilhosos da estrela que o acompanhava entre sua bela, mas oculta lua. Rapidamente, olha seus amigos. Sem soltar sequer uma lágrima, atentou mais uma vez para Coruja, olhando-a no fundo dos olhos, por detrás de suas lamúrias, quiçá no fundo da alma, partiu sem olhar para trás, de cabeça baixa, dignidade abalada, coração moído e espírito perdido.
Passou a madruga indagando ao ar, aos céus e à natureza o porquê de tanto sofrimento. Sereno e engolindo tudo a seco, indagou se esse era seu meritoso fardo. Além da infidelidade de sua amada, os chicotes da deslealdade do amor de Coruja, da amizade de Coiote. Era muita coisa repentina para a sua dor sem cortes, em contrapartida da época de prosperidade e felicidade deleitosa que vivera há poucos. Sem ritual algum e determinado, Lobo decide morrer, não com essa penúria sentimental desgraçada que consumia a alma, todavia de uma só vez para não alimentar a amargura. Desistir de viver pelas circunstâncias inexplicáveis do destino bastardo e malogrado que apunhalou a graça da existência. Destruir sua paixão, seu amor, seu entusiasmo, sua pena, todo ódio, toda mágoa, rancor, dor, sofrimento, repúdio, esperança, lembranças boas e más, pregos e espinhos, a beleza das rosas... Olvidar do eu te amo, do companheirismo, dos afetos, do cheiro, da imagem dos rostos, do toque do corpo e da boca. Jogar tudo fora e recomeçar não adiantaria, seria doloroso e quase impossível vivendo em meio aos fantasmas das lembranças boas e más. Pensava Lobo, quão era preciso extinguir tudo da face do mundo e isso só se perpetuaria com a extinção própria da vida sem sentido, penosa e descrente, abstida de recompensa. Porém, antes fez sua ressalva importante: a de refutar quaisquer dolos da parte de alguém, já que ele por si só entende que todos os seres devem ser livres e fazer aquilo que aquece a alma para viver, como fez o Coiote e a Coruja, mas isso é outra história.
Portanto, o Lobo apaixonado e amante fiel, leal e sincero, poeta da natureza, músico do universo... se matou no leito de sonhos reais e árduos martírios logo depois ter visto sua amada Coruja aos golpes labiais com seu amigo Coiote. Não deixou nenhuma lágrima, mais nenhuma palavra, apenas a poesia que nunca fora entregue. Sem se despedir, pôs fim a um fardo de ferro, incapaz de carregar e agüentar mesmo provido de alegria espiritual para viver dentro de seu âmago. Deixou saudades a sua família protetora, sobretudo sua mãe orgulhosa. Saudosos e tristes ficaram algumas amigas e amigos cúmplices andarilhos. No céu, a estrela companheira da lua que outrora quase se apagara por completo, já resplandecia vigor e luz, quiçá pela presença energética do espírito de Lobo, esperando quem sabe uma nova oportunidade de brilhar na alvorada ou preferindo a exclusão na noite eterna, com medo do sol oportuno a todos, mas que cegou seus olhos, com medo do chão que lhe calçou e que lhe serviu do abismo, tornando-se assim em sua essência, o Lobo Solitário.

Reza a lenda construída ao longo dos tempos e pelas línguas disparas dos habitantes da ilha selvagem, depois deste conto, que a lua nunca mais foi a mesma imponente astro, apesar do brilho constante da estrela ao lado. E essa mesma lenda reza que um ser noturno, triste, angustiado e desesperado vagueou por longos tempos sempre a noite, de ninho em ninho, bosque a bosque, rios adentro, à procura de algo, soltando gritos e cantos ao nada. Por distantes noites esses gritos e cantos foram repetidos pelos ares da natureza, ora causando espanto e preocupação, ora admiração e pena. Entre vôos rasantes habituais e vigílias incansáveis, esse ser caçava seu tesouro até o poente do sol, numa incessante busca desenfreada pelos céus e terras, rios e mares, correndo riscos, enfrentando correntezas e limites, em meio ao fogo do seu maior desejo, com o propósito de encontrar seu amor exalando o amor que um dia deitara deleitosamente, mas que nunca mais havia de adormecer e sonhar, assim ecoava o adágio daquele tempo, dividido entre castigo dos deuses ou injustiça da natureza referente a esse amor.
Numa certa noite, dizem os habitantes da ilha terem visto esse ser branco chorar desanimado à beira de um rio. Demonstrando estar exausto, reunia as últimas forças para atirar pedras no lago e a bailar sua bela plumagem no ar e dar rasantes sobre as vibrações das águas. Ouviram seu choro e também uma fábula de sua boca. Metade do conteúdo foi perdido e outro transcorre os mundos até hoje:
“Se o chão que tu pisas não alimentar mais teu doce coração. Se entre os bosques da vida, tu não encontrar mais colo que sirva de abrigo e se não agüentar mais carregar as pedras da solidão, depois de ter se decepcionado com a promessa do vôo livre. Se não conseguir mais um reflexo para as suas decisões, vá até o rio, atire essas pedras, voe sem peso na consciência e baile majestosamente para sentir as vibrações de meu coração. Observe o reflexo que se forma neste espelho e veja quem está por trás dele. É onde eu estarei a te espiar e te proteger por todos os tempos, até que eu tenha luz refulgente para tua visão noturna e teu espírito descrente.”
Profere a lenda que esse reflexo era a da estrela que mais brilhara no céu por longas noites, mas que um dia perdera a pujança. Depois disso, Coruja Branca olhou para o firmamento e percebeu a luz que irradiava com menos intensidade, quase em extinção. Subitamente, Coruja Branca arrancou forças infinitas do afeto que guardara e, influenciada pela poesia, último pedaço de seu amor que partira depois de ter ela deixado escapar, voou para o alto em direção àquele ponto azul quase ocultado, atravessando as nuvens, desafiando o ar além da atmosfera, até sumir das vistas dos outros seres que contemplaram todo o ritual na beira do rio, tornando-se invisível aos olhos.
Depois daquela memorável noite, todos os moradores da ilha se encontram à margem daquele rio, debaixo de árvores, a contemplar a grande lua radiante que voltou a brilhar e se expor bem juntinho do ponto estelar dantes fraco, agora renovado pela presença do amor eterno e universal, deixando de ser solitário. Dizem ser a Lua e a Estrela, o reencontro do Lobo e a Coruja. Essa história, fábula ou verdadeira, foi contada além da linha dos tempos da eternidade, causando desconfiança ou crença viva nos corações dos amantes. Entretanto, o hábito de sempre olhar para o céu à noite em busca da estrela e da lua permanece vivo.