

– Olá meu amor, demorei? Desça até aqui pra eu cobrir teu coração de beijos, decorar teu rosto com esta invejosa prima das rosas e poetizar atrás de tuas coxas ao mesmo tempo frio, mas com o calor de meu corpo, para assim podermos amansar nossa saudade e cantarolar em teus ouvidos.
– Já estou indo meu lindo, brisa de meus sentidos!
– Venha, mas venha flutuando em meus sonhos presentes, assassinando o passado para nos amarmos.
A Coruja desceu rapidamente, bailando sua suntuosidade, feliz e sorridente para as promessas de seu amado. E o Lobo na mente, imaginava contente, sua paixão flutuando pelo espaço. O beijo ardente acabou com a saudade e a agonia. Em seguida o Lobo cantarolou seus sentimentos poéticos aflorados atrás das coxas dela, ritmando a dança da paixão e do êxtase do toque. De corpos dados, os dois passeavam pelas ruas iluminadas da cidade, a contemplar a natureza e a alegria refletida da beleza noturna. Corriam pelos bosques, brincavam de se esconder atrás das árvores, se molhavam na beira do rio, tacavam pedrinhas pra ver quem arremessava mais longe. A tranqüilidade do lugar deixava ouvir o som das águas. Felizes, se beijavam e se abraçavam a fim de se esquentarem sob o céu estandarte, rajado de estrelas. Lobo se exibia para Coruja correndo como um louco sedutor, espalhando sua magistral beleza varonil e seu canto poderoso e encantador. Ela por sua vez, cobria o lugar com sua bela plumagem branca bailando no ar e em volta de seu corpo, a leveza que a natureza deu-lhe. Sentaram-se juntos em baixo de uma árvore.
– É tão bom ficar ao seu lado, minha Corujinha Branca!
– Não quero nunca ficar longe de você. Tu és minha proteção, minha vida, minha força pra viver. Sinto-me amada e segura ao seu lado. É tão bom ter alguém como você, será que há outros casais vivendo esse momento como o nosso?
– Ô meu amor, nunca ficarei longe de ti, sempre estarei aqui pra te amar e te proteger. Olha lá em cima, no céu! Está vendo a lua e aquela estrela ao lado dela? Somos nós, você é a linda lua e eu sou aquela estrela brilhante, outrora solitária, que enquanto estiver contigo, brilhará ao infinito. Viu? O Lobo e a Coruja?
Coruja ficou contemplando a paisagem descrita sem piscar seus grandes olhos esmeraldas, em silêncio e com o sorriso jovial e verde de sempre. Lobo construía estrofes sobre esse semblante misterioso e apaixonante. Parecia que o vento queria cantar sua bela canção ecoante em cortesia a esse amor sublime. As águas do rio começavam a puxar a valsa do coral dos pássaros que pousavam em seu colo. As folhas verdes caiam do colo de suas mães e bailavam no ar logo em seguida. O palco sob os pés dos amantes do mundo esquentavam a alma. Nem as outras estrelas contiveram-se, estriavam o céu enrubescido com suas cintilantes lágrimas de emoção, de ponta a ponta, ornamentando esse eldorado cadente. Tudo estava perfeito aos beijos e abraços sinceros e afáveis do casal, atração da noite mágica armada e concebida pela Mãe Natureza. Ficaram todos ali por horas e horas, sem amanhã no mesmo cântico ritualístico de amor.
Conheciam-se há algum tempo. Lobo era muito solitário e às vezes transmitia tristeza. Passou grande parte de sua vida protegido por sua mãe, uma defensora voraz e guerreira. Ganhou independência mais tarde ao se aventurar pelo mundo com os amigos. Sofreu um pouco para se adaptar, entretanto a lei da selva pedia essa circunspeção para adquirir experiência. Provou vários amores durante essa saga, e ao contrário de seu rebanho e a lei do coito e do instinto, passados como códigos imutáveis, ele desejava eternizar um amor único e necessário para a felicidade de sua alma, diferente das dos outros.
Coruja era misteriosa dama da noite, muitas vezes incompreendida por ser tão independente e decidida em sua caça afetiva. Desejava encontrar também um grande amor, mas não com tanto fervor. Entretanto, seu instinto livre, leve e solto qualificava-a como um ser nascido para voar sem ninguém que a segurasse ou dominasse. Perdera logo cedo a proteção paterna e se desprendeu dos cuidados da mãe, batendo as asas da curiosidade para longe da caverna protetora numa transformação precoce. Até conhecer Lobo, avistá-lo do alto de sua beldade e ousadia, para então voar e pousar em seu colo, e se entregar aos seus encantos. Chegou no momento certo para Lobo. Conseguiu abrir seus olhos tristes e decepcionados perante a vida na busca de um sentido. Assim, cada um pôde oferecer suas essências em comum: ela com a beleza de seu horizonte e doce liberdade dos instintos; ele com a ternura de sua proteção de seu colo tranqüilo, amável e poético. Enfim, compartilhavam as diferenças dentro da troca sincera de desejos de se amarem e se completarem.
O amor é remédio que cura os seres do mundo de quaisquer doença e sofrimento. O amor transforma vidas, intensifica paixões e sentimentos. Promove sonhos, liberta o espírito, transborda a felicidade e realiza desejos. O amor ama os amantes incondicionalmente, une, aproxima, emite, emana, possui, voa e deixa voar, o amor caminha e dá pernas pra andar. Resume e prolonga o tudo e o nada e preenche o vazio e completa o cheio. Intensifica brandamente o calor e aquece ardentemente o frio. Doa flores pra aflorar os frutos e despedaçar os espinhos. Esquece o tempo e rejuvenesce a alma. Cria a esperança e varre o desespero. O amor acredita no amor desdenhando a dúvida. Ah o Amor! A paz que acalmava o coração de Lobo e devolvia-lhe o prazer de viver. Ah o amor! A proteção e a magnitude que Coruja procurava a seus belos olhos grandes, dantes assustados.
Lobo esquecia-se dos quefazeres matutinos quando se encontrava com a noite e com sua bela dama. Fiel aos seus sentimentos, não pensava em outra vida que não fosse ao lado dela. Mal tinha tempo pra fazer planos, dedicava toda atenção a ela sem se importar com o dia seguinte, com sua toca do Lobo, com qualquer outra coisa. Sonhava com a próxima noite após o término de uma memorável, transformava tudo isso em poesia, em conto imaginário fazendo-se real naquele presente dos deuses. E assim vivam Lobo e Coruja, num conto de fadas vivo, no mais puro, singelo e recíproco amor, vencendo as dificuldades no início, mas fortalecendo a cumplicidade. E seus amigos eram testemunhas de tudo isso. Acompanhavam os passos leves dos dois, união inquebrável. Alguns não concordavam com aquele cônjuge porque seguiam a cadeia instintiva do acasalamento sem compromisso, contudo, nada poderiam fazer com a força crescente do amor. Por anos concretizaram essa respeitosa amizade entre si, preservando suas personalidades, tendo como centro primordial, Lobo e Coruja para perpetuação do grupo.
A intimidade entre eles nunca foi problema ou sintoma de ciúmes. Havia espaço para todos, sem ferir a privacidade de cada um ou do casal apaixonado. Um único empecilho apareceu aos poucos com a independência de alguns amigos e a vontade de buscar novas aventuras e experiências. Naturalmente, o grupo foi se desmanchando, a individualidade gritou mais alto que a companhia. Lobo não se importou tanto, mas percebeu a iminente solidão que poderia entediar Coruja, mesmo porque muitos amigos não faziam companhia durante o seu dia ocioso, e isso poderia provocar saudade de voar livremente pelos céus como antes. Mesmo assim, continuaram se amando do mesmo jeito. Foi nessa época conturbada da amizade que conheceram Coiote. Suave no falar, elegante e altiva beleza, simplicidade no olhar, romântico e sapiente, o casal acolheu sua simpatia mesmo a uma iminente disparidade com o resto dos amigos. E Coiote era prestativo e atencioso, tinha tempo livre e cada vez mais se tornava íntimo, principalmente de Coruja e de suas amigas. Lobo, condoído com solidão da amada, apoiou a amizade vespertina já que só poderia vê-la à noite depois dos quefazeres diurnos, convicto da fidelidade e lealdade mútuas. E seus amigos cada vez mais se distanciavam, sem raiva, pois já eram vacinados, porém um pouco magoados. E Lobo e Coruja continuaram se amando e se desejando mais felizes como nunca.
Meses passaram e nada havia mudado na vida do casal. A amizade de Coiote era mais intensa. Jovem ser que exordiava com leveza sobre o amor e sua disposição para encontrar uma grande companheira para suas noites solitárias. Esse era assunto de muitas horas de conversas do novo conluio de amigos. Lobo e Coruja e as amigas tentaram ajudá-lo nessa procura, mas Coiote mantinha-se à espreita de sua timidez ou escolha. Certo dia ele enfim encontrou o que há muito procurava no auge de sua mocidade.
Sábado à noite, Lobo em casa se preparava para ir à casa de sua namorada. Cantarolava no banho e declamava poesias em seu quarto. Dialogava com sua mãe sobre a ansiedade de ver o motivo de suas alegrias, a progenitora apoiava com imenso orgulho. Pretendia passar a noite inteira com sua dama do firmamento que despontava imponente no horizonte, na companhia de sua dama terrestre, a Coruja de seus sonhos, dona de seu coração. Inspirado, escreveu ditosas palavras em uma folha de papel para presenteá-la. Caprichoso no trato da aparência, exalando o cheiro favorito dela, chegou à rua do paraíso. Viu seus amigos ausentes e parou para prosear saudosas conversas:
– Boa noite pessoal, tudo bem?
– Fala Lobo apaixonado, como vai meu caro? Vamos pra vadiagem hoje?
– Então, gostaria de pedir desculpas pela minha falta a vocês, tenho saudades dos velhos tempos!
– Ora, vamos matar essa saudade. Avisa sua amada e vamos curtir a noite como nos velhos tempos.
– Galera, vocês não sabem o que é sentir esse amor dentro de mim, é muito grande e poderoso. Não consigo fazer outra coisa, não consigo ficar longe dela. Nós combinamos passar a noite juntos, olhar as estrelas, a lua, conversar, beijar, abraçar...
– Está bem então, deixa pra próxima! Vai lá namorar de novo.
– Amigos, estou vivendo os sonhos que sempre tive e sempre idealizei, se vocês gostam realmente de mim vão me entender, eu preciso dessa compreensão, adoro vocês e amo aquela Coruja Branca. É o meu momento e eu não posso renegá-lo.
Logo houve um breve silêncio. Mudaram de assunto e depois de uma hora Lobo entrou na casa de Coruja. Assim que se viram, beijaram-se intensamente. Ela estava cheirosa como sempre, doce, linda e carinhosa. As amigas dela e Coiote aplaudiram a cena, sentados nos aposentos da sala. À convite da dona do lar, o casal foi para o quarto possibilitar privacidade. Docemente, Coruja convidou seu amor para passearem na noite. Disse que precisava se divertir ao lado dele e com as amigas e com Coiote. Lobo pensou em alertar sobre o combinado de ficarem juntos e a sós com ela, pensou em entregar a poesia e não achou oportuno o momento, apenas afrontou com ternura seus belos olhos e disse para conforto:
– Querida, faz o seguinte, vai você e se divirta com eles. Eu não quero exposição hoje, deixa para a próxima. Se você quer quem sou eu pra impedir, voe, mas voe bem alto que é pra eu ver você daqui. Eu te amo, meu amor! Vai sossegada!
Coruja rasgou o rosto com o seu belo sorriso meigo e agarrou seu parceiro compreensível com toda a força e amor. Quase se entregaram ao ritual sexual dos desejos. Ficaram somente nos toques sensuais com leves pitadas de safadezas. Enfim, Coruja acabou descumprindo os planos deles e partiu para o vôo com suas amigas e Coiote. Lobo observou a partida dos seres notívagos, mais prestativamente sua razão de viver, suas belas curvas e seu sorriso a voar com o vento. Ansiou boa diversão a todos. Olhou para o lado e deu-se conta que ficara sozinho, pois seus amigos já haviam partido. Sentiu-se perdido e abandonado, porém não desanimou, sabendo que o amanhã não demoraria a despontar, foi para casa descansar e sonhar com sua musa, pedindo proteção e uma boa noite a Coruja aos céus, à lua e às estrelas. Ao deitar-se, teve um pensamento aplausível sobre a necessidade dela de se divertir e a necessidade dele em agradá-la de qualquer forma, pois já havia sofrido muito na vida e precisa espairecer a alma, sendo assim, ele não seria do contra.
Domingo. Lobo preferiu levantar cedo para aproveitar melhor a alvorada. Acordara feliz e como sempre bem humorado. Pôs-se a caminhar pela natureza sob o sol imponente da manhã. Prestou atenção nos pássaros sobre os ninhos em cima das árvores, e como cantavam afinados. Outros já voavam sincrônico em busca de alimentos ou por exibicionismo. Por onde passava deparava um ser vivo cheio de alegria. Mais adiante correu com as borboletas, uma diferente da outra, uma mais bela que a outra. À beira do rio, contemplou o deslize dos seres aquáticos sobre a água. Conforme o tempo passava mais seres surgiam na região. Algumas formosas corujas cruzavam seus olhos, mas Lobo não tinha olhos para elas, na ocasião lembrava-se de sua Coruja exuberante. Deu-se conta da saudade e determinou tomar rumo a casa dela a fim de fazer uma surpresa. Antes pegou a poesia da noite anterior e convenceu-se de que iria mostrá-la a qualquer custo naquele dia. Passaria o dia todo lá para compensar a falta que ela fez. Coruja ficara realmente surpresa com a visita do amado e da mesma forma costumeira, se tocaram fortemente com o mesmo carinho e paixão. Acomodaram-se para dialogar e Lobo ansioso, foi logo perguntando sobre como tinha sido o passeio, obtendo a resposta positiva. Lobo estava muito alegre e obsequioso na presença de Coruja. Tagarelava sem parar sobre seus sonhos, seus desejos, a saudade que sentiu noite passada, sobre seu passeio na alva do dia, sobre a beleza do mundo, preparando terreno romântico para entregar mais uma de suas obras poéticas. Ela parecia jogar seus absortos olhos ao nada, parecia pensar muito, mas não nele. Distintamente, a alegria de Lobo era grande e eufórica. A dama acalmou-lhe e disse que tinha algo difícil para lhe contar, surpreendendo o loquaz:
– Desculpe amor, fico aqui falando sem parar e nem deixo você se expressar...
– Lobo meu amor, você sabe que eu te adoro, não é mesmo?
– Mas é claro minha querida!
– E sabe também que eu jamais faria algo pra te magoar? E que você foi o ser mais importante para mim?
– Tenho certeza, mas o que foi, por que está me perguntando isso agora?
Silêncio em meio ao sorriso dele. Momentos de apreensão a espera do devir. Os olhos de Coruja encheram-se de lágrimas e ela não disse mais nenhuma palavra, apenas o abraçou como de costume. Lobo retribuiu e sentiu um magnetismo diferente, não compreendeu as lamúrias e insistiu resposta. Entretanto, Coruja continuava chorando em seu colo sem olhá-lo nos olhos nem por segundos. E mais por brincadeira e para quebrar a frigidez, Lobo perguntou:
– Você quer terminar comigo, quer acabar com tudo e voar livremente pelo...?
Sorriu logo em seguida. Silêncio em meio a um novo e jovial sorriso. Face que mudara após ela fitá-lo serenamente. A expressão de Lobo mudara repentinamente. Era isso mesmo a intenção dela, porém não emanava coragem e forças para dizer aquilo, concluiu o apaixonado. Lobo, exigindo respostas, desabou em prantos desesperados. A toca desaba levando consigo o espírito. A angústia voraz devorava seu coração em não obter resposta do motivo repentino. Sua alma começou a chorar e seu coração a sangrar. Coruja somente disse que não sabia o porquê, que o problema não era com ele e sim com ela, contudo não esclareceu o motivo deveras, só queria terminar com tudo e que estava sofrendo muito por isso, mas desejaria a amizade dele para sempre. Inútil consolo para o amante que indagou sobre a noite anterior, até então loucamente juntos no quarto. Nenhuma reação da parte dela. A cena, mérito de indulgência, ficou nessa lamentável dúvida e nesse triste fim de paixão avassaladora de anos, de momentos inesquecíveis, fim de um amor lúcido e cúmplice, feliz e divino, aparentemente duradouro.
Lobo preferiu ir embora argumentando sobre a dor que sentiria se ainda continuasse vendo-a chorar e partir de sua vida. Como deslumbrado nato, consolou-a abraçando seu corpo e beijando sua boca pela última vez mediante ao choro conjunto e doloroso. Ela pediu para não deixarem de se ver e continuarem amigos. Dirigiram-se ao portão e numa derradeira despedida, Lobo disse:
– Você foi, é e será a única Corujinha Branca de minha vida. Eu ainda não compreendo o que estou sentindo e o porquê de tudo isso, mas eu ficarei bem, eu espero. Se precisar de alguma coisa sabe onde me encontrar, estarei ao seu dispor sempre. Eu te amo!
– Obrigada por me entender, eu também te amo meu Lobo! Preciso ficar sozinha pra ver se consigo me entender. Por favor, nunca diga adeus!
Dizendo isso, mais um abraço e um beijo vagaroso, intenso e sofrido. Lobo tomou seu rumo, olhou duas vezes para trás e pensou no que poderia ter feito que culminasse nesse fim imprevisto. “Será que não consegui escoltar seu vôo ou viver seus horizontes? Será que me tornei um empecilho em sua vida devido a minha quietude, e sua mocidade exige mais aventura do que compromisso?” Perguntava a si mesmo sem ter respostas, enquanto seu coração em ruínas beijava o chão sem o alicerce do espírito presentemente apagado. Olhou para o céu a fim de replicar qualquer pensamento, mas nada, silêncio no alto. Ao chegar em casa não disse sequer uma palavra, guardou a poesia de amor que novamente não obteve sucesso para declamar, e foi deitar-se imediatamente com suas lágrimas, com suas dúvidas, com suas dores.
No outro dia a família o confortou nos braços do lar. Os amigos todos já estavam sabendo e fizeram uma visita ao amigo magoado e deprimido, intuindo que deviam dar o mesmo conforto. Após longos bate-papos, Lobo pediu encarecidamente para ficarem do lado dela também, não a deixassem sozinha, sejam quais fossem os ensejos. Os amigos estiveram ausentes por muito tempo, mas na hora da dor surgiram benevolentes para amparar, deixando Lobo contente e orgulhoso pela amizade. Nos outros dias da semana se privou de companhias a chorar sozinho em seu quarto, a ler e reler àquela poesia, a escutar as músicas marcantes da épica paixão que vivera ao lado de Coruja, a observar as estrelas e a lua e imaginá-los juntos de novo, boca a boca, corpo a corpo. Sentia o cheiro dela por todos os cantos, sofria e se corroia em dor, tristeza, melancolia e desânimo pela falta que ela fazia, pensando sempre em sua amada e no quê ela estava pensando e passando sozinha.
Numa sexta-feira resolveu sair da toca e espairecer os instintos, aproveitar e ter alguma notícia da adorada ou vê-la pelo menos, de longe que fosse. Deparou seus amigos em frente a casa dela e ficou por ali conversando. Logo avistou Coruja vir em sua direção com algumas amigas, e acompanhada de Coiote. Lobo sentiu o beijo de Coruja na face, frio e penoso. Pela primeira vez sentiu ciúmes da amizade do amigo para com ela. Sem muitas palavras e olhares, o grupo partiu não se sabia para onde. Ver sua paixão novamente só aumentou a desolação da alma e Lobo preferiu retirar-se a seu martírio solitário mesmo com as advertências dos companheiros que almejavam alegrá-lo. Seria mais uma noite de choro silencioso embaixo das cobertas das quais não aqueciam sequer seu corpo, que dirá o espírito.
No outro dia, Lobo levanta de seu ninho sem sequer ter pregado os olhos, inchados e ardidos de tanto chorar, mal conseguia contemplar a luz do dia. Tomou seu café matutino sem abrir a boca aos seus familiares. Estava disperso e abatido, sabia da necessidade de tocar a vida, no entanto naquele período não reunia forças para tal compromisso. O relógio não andava na mente dele, o tédio da solidão esbofeteava sua eutimia. Ninguém veio lhe visitar, nem menos a brisa da natureza ou cheiro das rosas, nem menos a inspiração poética de outrora. Ficou parado no quintal de seu lar a bisbilhotar o teto da natureza acima de sua cabeça confusa, inclusive ver a lua despontar meio encoberta pelas nuvens cinzas, ao lado de uma estrela solitária que havia perdido o brilho, o Lobo e a Coruja dos céus, a lua e a estrela, uma encoberta pelas nuvens e a outra quase apagada. Já era noite, obumbrada pelo desânimo de viver, contudo restava uma esperança, Lobo se convencera de que não podia aceitar uma derrota imprevista e de que valeria a pena ainda lutar, não só para continuar brilhando, mas também lutar e reconquistar seu grande amor depois de tanto tempo de sutileza, beleza e balé de sentimentos puros e sinceros. Decidira correr atrás de seu amor uivando poesias entre os tempos e entre as dúvidas inaceitáveis para sua alma instintiva.
Cheio de esperança e sagazmente decidido, foi ao encontro de sua razão de viver, munido da tão aguardada hora de mostrar a poesia Chegando ao escopo, avistou seus amigos em frente a toca de Coruja. Esperou que ela saísse ou mostrasse vestígios de sua presença. Momentos depois o portão se abre... Era Coiote aparentando se despedir. Depois, ela... tão formosa como sempre. O coração de Lobo dispara na velocidade do vento de novo. Os batimentos boleavam sangue quente e frio a todo corpo. Os olhos arregalados e ansiosos por uma lacuna pareciam resumir a reposição de forças para dar início a sua reconquista. Respirou o que tinha de respirar, foi lentamente na direção dela que não tinha percebido a presença do antigo amor. Imediatamente Lobo pára de caminhar. Sua pressão arterial aumenta, mas agora de raiva, após Coiote tocar com ternura o belo pescoço de Coruja, aproximando-se dela para golpeá-la com um beijo... Em seguida o corpo do saudoso amante gela e atrofia de súbito. Coruja abraça Coiote e golpeia-o com o mesmo beijo. As forças recompostas de coragem se dissipam ao relento. O corpo continuava ali, entretanto, o espírito martelado afundou na natureza morta. De repente, Coruja intui a presença do amado, e assustada, afasta-se de Coiote. Olhos atônitos e pasmos, quase chorando, de culpa talvez ou surpresa mesmo, parecia não saber o que fazer ou o que dizer, sem reação. Coiote permanecia insensível. No último resquício de vitalidade, Lobo olha para cima procurando os últimos suspiros brilhosos da estrela que o acompanhava entre sua bela, mas oculta lua. Rapidamente, olha seus amigos. Sem soltar sequer uma lágrima, atentou mais uma vez para Coruja, olhando-a no fundo dos olhos, por detrás de suas lamúrias, quiçá no fundo da alma, partiu sem olhar para trás, de cabeça baixa, dignidade abalada, coração moído e espírito perdido.
Passou a madruga indagando ao ar, aos céus e à natureza o porquê de tanto sofrimento. Sereno e engolindo tudo a seco, indagou se esse era seu meritoso fardo. Além da infidelidade de sua amada, os chicotes da deslealdade do amor de Coruja, da amizade de Coiote. Era muita coisa repentina para a sua dor sem cortes, em contrapartida da época de prosperidade e felicidade deleitosa que vivera há poucos. Sem ritual algum e determinado, Lobo decide morrer, não com essa penúria sentimental desgraçada que consumia a alma, todavia de uma só vez para não alimentar a amargura. Desistir de viver pelas circunstâncias inexplicáveis do destino bastardo e malogrado que apunhalou a graça da existência. Destruir sua paixão, seu amor, seu entusiasmo, sua pena, todo ódio, toda mágoa, rancor, dor, sofrimento, repúdio, esperança, lembranças boas e más, pregos e espinhos, a beleza das rosas... Olvidar do eu te amo, do companheirismo, dos afetos, do cheiro, da imagem dos rostos, do toque do corpo e da boca. Jogar tudo fora e recomeçar não adiantaria, seria doloroso e quase impossível vivendo em meio aos fantasmas das lembranças boas e más. Pensava Lobo, quão era preciso extinguir tudo da face do mundo e isso só se perpetuaria com a extinção própria da vida sem sentido, penosa e descrente, abstida de recompensa. Porém, antes fez sua ressalva importante: a de refutar quaisquer dolos da parte de alguém, já que ele por si só entende que todos os seres devem ser livres e fazer aquilo que aquece a alma para viver, como fez o Coiote e a Coruja, mas isso é outra história.
Portanto, o Lobo apaixonado e amante fiel, leal e sincero, poeta da natureza, músico do universo... se matou no leito de sonhos reais e árduos martírios logo depois ter visto sua amada Coruja aos golpes labiais com seu amigo Coiote. Não deixou nenhuma lágrima, mais nenhuma palavra, apenas a poesia que nunca fora entregue. Sem se despedir, pôs fim a um fardo de ferro, incapaz de carregar e agüentar mesmo provido de alegria espiritual para viver dentro de seu âmago. Deixou saudades a sua família protetora, sobretudo sua mãe orgulhosa. Saudosos e tristes ficaram algumas amigas e amigos cúmplices andarilhos. No céu, a estrela companheira da lua que outrora quase se apagara por completo, já resplandecia vigor e luz, quiçá pela presença energética do espírito de Lobo, esperando quem sabe uma nova oportunidade de brilhar na alvorada ou preferindo a exclusão na noite eterna, com medo do sol oportuno a todos, mas que cegou seus olhos, com medo do chão que lhe calçou e que lhe serviu do abismo, tornando-se assim em sua essência, o Lobo Solitário.
Reza a lenda construída ao longo dos tempos e pelas línguas disparas dos habitantes da ilha selvagem, depois deste conto, que a lua nunca mais foi a mesma imponente astro, apesar do brilho constante da estrela ao lado. E essa mesma lenda reza que um ser noturno, triste, angustiado e desesperado vagueou por longos tempos sempre a noite, de ninho em ninho, bosque a bosque, rios adentro, à procura de algo, soltando gritos e cantos ao nada. Por distantes noites esses gritos e cantos foram repetidos pelos ares da natureza, ora causando espanto e preocupação, ora admiração e pena. Entre vôos rasantes habituais e vigílias incansáveis, esse ser caçava seu tesouro até o poente do sol, numa incessante busca desenfreada pelos céus e terras, rios e mares, correndo riscos, enfrentando correntezas e limites, em meio ao fogo do seu maior desejo, com o propósito de encontrar seu amor exalando o amor que um dia deitara deleitosamente, mas que nunca mais havia de adormecer e sonhar, assim ecoava o adágio daquele tempo, dividido entre castigo dos deuses ou injustiça da natureza referente a esse amor.
Numa certa noite, dizem os habitantes da ilha terem visto esse ser branco chorar desanimado à beira de um rio. Demonstrando estar exausto, reunia as últimas forças para atirar pedras no lago e a bailar sua bela plumagem no ar e dar rasantes sobre as vibrações das águas. Ouviram seu choro e também uma fábula de sua boca. Metade do conteúdo foi perdido e outro transcorre os mundos até hoje:
“Se o chão que tu pisas não alimentar mais teu doce coração. Se entre os bosques da vida, tu não encontrar mais colo que sirva de abrigo e se não agüentar mais carregar as pedras da solidão, depois de ter se decepcionado com a promessa do vôo livre. Se não conseguir mais um reflexo para as suas decisões, vá até o rio, atire essas pedras, voe sem peso na consciência e baile majestosamente para sentir as vibrações de meu coração. Observe o reflexo que se forma neste espelho e veja quem está por trás dele. É onde eu estarei a te espiar e te proteger por todos os tempos, até que eu tenha luz refulgente para tua visão noturna e teu espírito descrente.”
Profere a lenda que esse reflexo era a da estrela que mais brilhara no céu por longas noites, mas que um dia perdera a pujança. Depois disso, Coruja Branca olhou para o firmamento e percebeu a luz que irradiava com menos intensidade, quase em extinção. Subitamente, Coruja Branca arrancou forças infinitas do afeto que guardara e, influenciada pela poesia, último pedaço de seu amor que partira depois de ter ela deixado escapar, voou para o alto em direção àquele ponto azul quase ocultado, atravessando as nuvens, desafiando o ar além da atmosfera, até sumir das vistas dos outros seres que contemplaram todo o ritual na beira do rio, tornando-se invisível aos olhos.
Depois daquela memorável noite, todos os moradores da ilha se encontram à margem daquele rio, debaixo de árvores, a contemplar a grande lua radiante que voltou a brilhar e se expor bem juntinho do ponto estelar dantes fraco, agora renovado pela presença do amor eterno e universal, deixando de ser solitário. Dizem ser a Lua e a Estrela, o reencontro do Lobo e a Coruja. Essa história, fábula ou verdadeira, foi contada além da linha dos tempos da eternidade, causando desconfiança ou crença viva nos corações dos amantes. Entretanto, o hábito de sempre olhar para o céu à noite em busca da estrela e da lua permanece vivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário